Urbanização militar e as origens da habitação social no Brasil

Nelson da Nobrega Fernandes

Pela importância que tem os espaços apropriados, construídos e controlados nas cidades pelas forças armadas, em War and the city i o geógrafo Gregory Ashworth reivindicou o reconhecimento de uma “geografia urbana militar”, do mesmo modo que se admite a geografia urbana social, econômica, política, etc. Esta reivindicação e a bibliografia do livro, essencialmente anglo-saxônica e em que há poucas referencias de obras voltadas especificamente ao assunto anteriores a 1980, sugerem que só então a produção do espaço urbano castrense começou a chamar atenção dos geógrafos, mesmo em países em que, diferente de iberoamerica, não havia censura ou profundo rechaço entre civis e militares.

Em Espanha, conforme observou Rafael Mas Hernandez, a partir desta época os Professores Francisco Quirós Linares, em Oviedo, e Horacio Capel, em Barcelona, formaram duas escolas de estudos urbanos com destacadas pesquisas sobre os espaço militares e o desenvolvimento das cidades. Ao justificar seu interesse sobre o assunto – que serve para o nosso caso – Hernandez expõe que resolveu enfrentá-lo depois de que em seus estudos mais amplos sobre Madrid e outras cidades ter se deparado repetidamente com os espaços e as ações do estamento militar. Contudo, ele não reivindicou uma geografia urbana militar.

No Brasil, especialmente quanto à cidade moderna e contemporânea, os espaços urbanos militares ainda são terra incógnita para a geografia urbana. Simplesmente desconhecemos processos e morfologias urbanas que foram ou continuam sendo influenciados ou determinados pelas necessidades e vontade das corporações militares e seus membros, mesmo quando se trata de problemas estritamente civis de grande importância, como no caso da primeira intervenção do governo federal na habitação social durante a presidência (eleita) do Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914). As duas vilas proletárias então construídas, Orsina da Fonseca (1913), no subúrbio industrial da Gávea, e, sobretudo, Marechal Hermes (1914), em pequena parcela dos vastíssimos terrenos da Vila Militar (1909), no subúrbio ferroviário a oeste da cidade, são marcos indiscutíveis da história da habitação social brasileira que, entretanto, até pouco tempo foram ignoradas, mal dimensionadas ou deliberadamente evitadas. O profundo rechaço aos assuntos militares pode começar a explicar porque arquitetos modernistas e especialistas da questão da habitação silenciaram sobre as vilas construídas pelo Marechal Hermes. Isto permite avaliar o quanto deve estar bloqueada nossa imaginação às possibilidades de considerarmos em nossos mapas urbanos os espaços estritamente militares que integram a geografia e a história da cidade.

(…) o programa que ele desenvolveu em Marechal Hermes antecipa em 30 anos muitas das inovações que os arquitetos modernistas aplicaram nos conjuntos previdenciários construídos nos anos 1940 e 1950 (…)”

Passado um século exato, as 72 casas da Vila Proletária Orsina da Fonseca, situadas em um dos bairros mais valorizados da Zona Sul carioca, foram completamente descaracterizadas e em parte substituídas por edifícios residenciais. Só permaneceram conservadas em sua forma e função as duas escolas primárias. O contrário se passa na Vila Proletária Marechal Hermes, que se mantém notavelmente preservada, graças principalmente às restrições à edificação impostas pela operação dos aviões da Base Aérea dos Afonsos. Ou seja, trata-se de um espaço construído e em parte regulado há um século pelos militares.

As vilas foram desenhadas por Palmiro Pulcherio, engenheiro militar que já havia trabalhado nas obras da Vila Militar, esta última construída pelas ordens do mesmo Marechal Hermes, quando Ministro da Guerra (1906 – 1908). Na Gávea, as dimensões dos terrenos não permitiram a Pulcherio desenvolver por completo sua concepção do que deveria constituir um bairro proletário, embora tenha garantido a construção de duas escolas. Na Vila Proletária Marechal Hermes não houve esses limites, o militar pode projetá-la desde a estação ferroviária ao teatro, em 738 prédios destinados a diferentes tipos de famílias e a solteiros, distribuídos em um plano ortogonal de largas ruas e boulevards arborizados, centralizado em uma grande praça circular contornada por quatro escolas. Foi previsto ainda mercado, assistência médica, biblioteca, escola profissionalizante, bombeiros, polícia, correios e telégrafos, creche, jardim de infância, maternidade e reservatório de água. Mas no plano não houve espaço para a igreja, provavelmente em função do anticlericalismo e do positivismo arraigados nos meios militares.

FOTO: Vila Proletária Marechal Hermes (1935). No centro da foto, o edifício modernista do cinema inaugurado em 1934.

A atuação do engenheiro militar na história da habitação social brasileira é importante não só por ter sido pioneira, mas também por que o programa que ele desenvolveu em Marechal Hermes antecipa em 30 anos muitas das inovações que os arquitetos modernistas aplicaram nos conjuntos previdenciários construídos nos anos 1940 e 1950, quando associaram os prédios residenciais com transportes de massa, comércio, equipamentos coletivos, sociais, educativos e de lazer para que fossem formados verdadeiros bairros capazes de produzir um modo de vida urbano e de transformar imigrantes rurais e os rudes da cidade em homens e mulheres modernos.

A Vila Proletária Marechal Hermes foi inaugurada em primeiro de maio de 1914 pelo presidente da república, com mais de cinquenta por cento dos prédios por concluir. O tenente Pulcherio foi misteriosamente assassinado em 1915. Até 1934 as obras na vila ficaram paralisadas, quando foram retomadas por Getúlio Vargas, com a construção de um cinema em um prédio modernista monumental. Para a continuidade das obras, neste ano organizou-se um concurso com júri formado por três grandes arquitetos modernistas – Saturnino de Brito, Celso Kely e Affonso Ready – que desaprovaram explicitamente as propostas que davam continuidade ao projeto de Pulcherio. Nos vinte anos seguintes a vila foi sendo concluída com a construção de blocos residenciais com tipologias modernistas e, como previsto pelo engenheiro militar, com outros edifícios para o hospital, a maternidade e o teatro, este último inaugurado em 1954, com projeto de Ready e paisagismo de Burle Marx.

Maiores informações em:

Oliveira, Alfredo César Tavares de; Fernandes, Nelson da Nobrega. Marechal Hermes e as (des)conhecidas origens da habitação social no Brasil: o paradoxo da vitrine não-vista, in: Marcio de Piñon de Oliveira; Nelson da Nobrega Fernandes (orgs.), 150 anos de subúrbio carioca, Rio de Janeiro, Lamparina; Faperj; EdUFF, 2010

Nelson da Nobrega Fernandes é professor da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro

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Ashworth, G. J. War and the city.London, Routledge, 1991

AS MOBILIZAÇÕES QUE VARRERAM O MUNDO, O BRASIL, O RIO DE JANEIRO…

por Alvaro Ferreira

Não há como passar ao largo das inúmeras mobilizações que varreram o mundo e mais especificamente o Brasil e o Rio de Janeiro neste início do século XXI. Occupy, nos Estados Unidos, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro; os Indignados, na Espanha; a Geração à Rasca, em Portugal; a Primavera Árabe; e, desde junho de 2013, uma sequência de mobilizações tomou as ruas do Brasil, sendo que na cidade do Rio de Janeiro, determinada manifestação chegou a reunir mais de 500 mil pessoas.

A população foi para a rua e isso deixou os governantes, a mídia, os empresários e a própria academia desnorteados. Estávamos acostumados a dizer que o povo não se indignava com nada, que a juventude era acomodada e individualista; de repente, milhares de pessoas se aglomeraram nas ruas pressionando os governos por mudanças.

Alguns tentaram qualificar as mobilizações como mais uma festa, desprovida de consciência política. Os mais sonhadores chegaram a imaginar uma grande revolução. Acreditamos que não se trata de uma coisa ou de outra, ao menos no que se refere à maneira como se via e definia os antigos movimentos sociais. Todavia, se pôs em questão as relações de poder, o autoritarismo, a prepotência dos governantes, o pouco caso com a população no que se refere aos serviços a ela prestados. Bilhões gastos em obras e projetos que não serão utilizados pela maior parte da população, descaso com a saúde pública, com a educação e com a qualidade dos transportes públicos.

Ver a importância da dimensão do corpo na rua, ocupando o espaço – agora verdadeiramente público – que é de todos, foi emocionante! Agora parece que entendemos que as redes sociais podem ajudar, mas a verdadeira mobilização obriga-nos a ocupar a rua… a rua como lugar do encontro… como lugar do debate… como lugar da transformação.

Os atos de quebra-quebra ocorridos são parte do processo. A transformação passa pela mobilização da população, que não está satisfeita com as instituições públicas, com os partidos políticos, com os sindicatos e as associações. Lembrou-nos o filósofo Henri Lefebvre, pouco depois das manifestações ocorridas na França em maio de 1968, que a revolução urbana não tem como pressuposto ações violentas, mas não as exclui; “como separar antecipadamente o que se pode alcançar pela ação violenta e o que se pode produzir por uma ação racional? Não seria próprio da violência desencadear-se? E próprio do pensamento reduzir a violência ao mínimo, começando por destruir os grilhões no pensamento?”

(foto, títol: MANIFESTAÇÃO REÚNE MAIS DE 500.000 PESSOAS NO RIO DE JANEIRO)

Tomar consciência é o primeiro passo; o impossível está se tornando possível.

Quando os manifestantes se colocam tão fortemente contra os partidos políticos, isso é sinal de que não se sentem representados por eles, e, portanto, é preciso que os partidos se repensem.

O oportunismo sempre fez parte da sociedade, isso não é nenhuma novidade. Os saques que têm acontecido são exemplos de oportunismo. O quebra-quebra é algo que acaba fazendo parte do processo… Ruim?! Bom?! Exagero?! É parte do processo.

Os ataques à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e à Prefeitura têm um caráter específico: «um prédio é um símbolo, assim como destruí-lo também é», dizia o personagem “V” (dos quadrinhos), cuja máscara é usada por grande número de manifestantes.

Agora estão culpando parte da população pela manifestação violenta, pelo quebra-quebra, mas quem começou tudo isso? Foram nossos dirigentes, políticos, empresários oportunistas (que financiam campanhas esperando «colher» os lucros depois), os sindicatos, associações etc. Ao desrespeitar a população com seu pouco caso, com o oportunismo e a corrupção generalizada, com a falta de ideologia partidária, com seus altos salários, com o descolamento do cidadão, eles acabaram empurrando a população para as ruas. Com as manifestações pacíficas vieram também o quebra-quebra e os ditos oportunistas com saques e destruição. Mas eles também foram empurrados para a rua.

Mas estamos falando da apropriação do espaço, da valorização do uso do espaço público, do estar juntos na luta, mesmo com diferenças, com diferentes visões de mundo. É a maturidade intelectual que permite compreender que somos seres políticos e isso independe da política institucionalizada.

Onde há poder, há também resistências. É no lugar que optamos por adaptar-nos ao que é imposto ou procuramos subverter o jogo.

«O povo não deve temer seu governo, é o governo que deve temer seu povo!”

Acreditamos ser necessário escapar da tendência a hierarquizar as mobilizações. Há uma grande produção bibliográfica acerca dos movimentos sociais, contudo é preciso entender essas mobilizações e este momento. Caso contrário, os conceitos e teorias que utilizamos podem servir como cegantes e não como iluminadores.

Precisamos valorizar os contextos da ação, vínculos sociais, vivências e experiências. Não podemos renegar o pequeno, o fugaz, que pode ser de grande importância por constituir-se na única resistência possível. Talvez seja o momento de valorizarmos mais as divergências que o consenso, principalmente um consenso cada vez mais produzido artificialmente, cada vez mais consenso midiático.

Isso tudo nos coloca aberturas e possibilidades; e sabemos que «não há certezas, apenas oportunidades». Mesmo a autogestão não prescinde do Estado e de legisladores. É preciso trabalhar pelo desvanecimento do Estado através da cada vez maior participação. «O povo não deve temer seu governo, é o governo que deve temer seu povo!” (fragmentos da fala do personagem “V” dos quadrinhos).

Trata-se do desejo de construir outra cidade, em que o direito à cidade se realize em plenitude, em que não apenas se possa sobreviver, mas viver… viver plenamente!

Para maiores informações:

FERREIRA, Alvaro. A cidade no século XXI: segregação e banalização do espaço. Rio de Janeiro: Consequencia, 2011. 296p.

FERREIRA, Alvaro, RUA, João, MARAFON, Glaucio, SILVA, Augusto César Pinheiro da. (Orgs.) Metropolização do espaço: gestão territorial e relações urbano-rurais. Rio de Janeiro: Consequencia, 2013. 528p.

Alvaro Ferreira é professor do Departamento de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Los paisajes lineales: una nueva representación gráfica de nuestro entorno

Josep M. Panareda* Y Maravillas Boccio**

¿Es posible representar un paisaje y mostrar lo fundamental e importante? Una fotografía evidencia los elementos situados delante, los cuales esconden los ubicados detrás. Un mapa suele ser una generalización excesiva de la realidad. Una pintura o un dibujo convencionales exteriorizan un paisaje interpretado desde una perspectiva determinada.

UN PAISAJE LINEAL ES EL RESULTADO DE UNA INTERPRETACIÓN GEOGRÁFICA DEL PAISAJE Y DE UNA CREACIÓN ARTÍSTICA, ACTUANDO GEÓGRAFO Y ARTISTA CON TOTAL LIBERTAD

He ahí una propuesta de una representación gráfica de los paisajes de manera simple y clara. La esencia del proyecto es combinar dos visiones que deben complementarse, la geográfica y la cartográfica-artística. La clave del éxito es la conjunción de la interpretación geográfica de un paisaje, o conjunto de ellos, con la del artista.

La metodología se basa en la concepción global tanto en la interpretación y como en la representación de los paisajes. Ahí radica su originalidad. No se trata que un geógrafo elabore un esquema gráfico de un paisaje y que traslade dicha información a un cartógrafo, delineante o informático para que lo pase en limpio y resulte bonito. Ni tampoco es la historia de un dibujante o un pintor que pide a un geógrafo que le explique tal o cual paisaje para expresarlo con mayor precisión científica. El producto final debe de ser tan geográfico como artístico, y tan preciso de la realidad del paisaje como comunicativo, al ser resultado tanto de la observación e interpretación del geógrafo como de la inspiración y creatividad del artista.

Perfil lineal del paisaje de choperas en el curso bajo del río Tordera al NE de España. Fuente: Panareda y Boccio.

La representación gráfica utilizada tiene el soporte de un perfil topográfico convencional y al producto final es denominado «paisajes lineales». Los paisajes lineales se definen como representaciones de un territorio a lo largo de un recorrido, basadas en la concepción global de los tipos de paisaje representados, en la simplificación y en la generalización, en donde se ponen de manifiesto las variaciones espaciales, temporales y temáticas, las cuales son expresadas mediante símbolos asociativos, y la diferenciación de la escala de detalle respecto a la interpretación del conjunto. El resultado es una imagen global y sintética de la realidad a una escala determinada.

LOS PAISAJES LINEALES TIENEN UNA GRAN CAPACIDAD DE COMUNICACIÓN AL OFRECER UNA PERSPECTIVA HORIZONTAL DE LA REALIDAD, FRONTAL AL OBSERVADOR

El geógrafo parte de unos objetivos concretos dentro de un plan de estudio de paisaje. Dichos objetivos, territorial y conceptual, son compartidos con el artista. Es conveniente que geógrafo y artista vayan al campo juntos, por lo menos en una ocasión, para que este último tenga los puntos de referencia necesarios para una correcta interpretación de la información geográfica. Sólo de este modo tendrá total libertad en la creación o adaptación de los símbolos y en la elaboración del paisaje lineal sobre el papel.

El artista, con las explicaciones pertinentes, debe considerar la doble escala, la de los elementos y la del producto final. Ahí es donde el artista crea su imagen de los paisajes y la plasma en el perfil. Establece los colores, las formas, los tamaños, la orientación y la composición de todos los elementos a representar. La comunicación geógrafo-artista debe ser fluida ante cualquier cuestión que plantee este último, el cual actúa con total libertad artística y técnica.

Los paisajes lineales no son sólo una simplificación de la realidad y la inserción de símbolos en el perfil de manera mecánica. Se trata de una creación, en la cual geógrafo y artista aúnan sus percepciones de la realidad y sus niveles de abstracción, así como el objetivo final. A su vez, los dos deben ser suficientemente autónomos como para aplicar los métodos y las técnicas correspondientes y elaborar su propia concepción de la realidad. Finalmente deben comunicarse la imagen personal sin perjuicio de la propia evolución.

Para mayor información, véase PANAREDA, J. M. y BOCCIO, M. La expresión gráfica del territorio mediante paisajes lineales: Cuadernos Geográficos, 2012, nº 51, p.78-95. <http://revistaseug.ugr.es/index.php/cuadgeo/article/view/232/223>

*Josep M. Panareda es catedrático jubilado de Geografía Física de la Universidad de Barcelona

**Maravillas Boccio es farmacéutica y doctora por la Universidad de Sevilla, especializada en la ilustración de plantas y paisajes.

Assistencialismo: Peça-chave de um conflito

Fabiana Valdoski Ribeiro*

São notáveis as intervenções do Estado em favelas da América Latina. Em muitos países, a primeira década dos anos 2000 representou um avanço de políticas de urbanização de favelas e de regularização fundiária de interesse social. Por décadas elas foram reivindicadas por diversos movimentos sociais urbanos. O objetivo principal era dar as condições básicas de vida aos moradores das favelas com implantação de infraestruturas, como sistema de abastecimento de água, rede de esgoto, parques, abertura de ruas para ventilação e luminosidade. Também fazia parte dos objetivos um processo participativo dos residentes como forma de não romper com os laços existentes entre eles. A ideia central era construir um projeto coletivo no qual os novos espaços construídos fossem usados e mantidos pelos próprios moradores.

No entanto, os processos de participação avançaram com dificuldade, principalmente pelas relações de assistencialismo dentro da maioria das favelas. Se por um lado, houve melhoria das condições de habitação, por outro, o uso de acordo com as vontades do moradores não foram contempladas resultando em conflitos. O próprio poder público reforçava as relações entre ONGs, entidades e outras instituições na decisão sobre os projetos e os moradores se transformavam em simples expectadores da mudança da favela. Por isso, muitos dos limites dos processos de urbanização de favelas estão ligados à prática do assistencialismo.

MUITOS DOs limites doS processos de urbanização de favelas estão ligados À prática do assistencialismo.

Na metrópole de São Paulo, com mais de 11 milhões de habitantes e com aproximadamente 10% deles vivendo em favelas, as políticas de urbanização foram postas como alternativa desde os anos 1980. Desde este período, um conjunto de recursos financeiros, tipos de programas e formas de atuação estão sendo desenvolvidos para alcançar os objetivos propostos. Uma das ações do poder público local foi selecionar as favelas e articular os projetos com muitas instituições que atuavam nelas. Este é o caso da Favela Monte Azul na periferia da cidade de São Paulo. Nela se executou um projeto de urbanização de favela entre os anos de 1992 até 2008. A conquista de um novo espaço público foi surpreendente.

De uma favela produzida sobre uma encosta e um córrego, com recorrentes problemas de deslizamento de barracos e enchentes, se transformou numa referência de projeto. Construiu-se quadra poliesportiva, piscina, parque, padaria comunitária, biblioteca, um teatro de arena dando uma nova estampa ao lugar. No entanto, eis que os moradores dela estão condicionados às normas de usos dadas pela ONG na qual realiza os trabalhos assistencialistas dentro dela. Por isso, os jovens da favela não podem usar a quadra a qualquer momento do dia. O parque, com brinquedos para as crianças, são usados por aquelas que fazem parte da escola vinculada ao projeto da ONG. O acesso à biblioteca também é regulado pelas normas da instituição que faz a gestão do novo espaço. O conflito aparece entre moradores e ONGs pelo uso dos novos espaços públicos.

Fonte: Ribeiro, F.V. Novos Espaços Públicos Conquistados Após Urbanização da Favela. 2007

O conflito aparece entre moradores e ONGs pelo uso dos novos espaços públicos.

Casos como a da Monte Azul nos revelam as contradições internas a estes tipos de políticas. A forma de imposição de uma maneira de uso do espaço pela ONG, subordinando os moradores, se realiza pela necessidade destes últimos aos serviços prestados pela instituição, ou seja, pelas formas assistencialistas existentes lugar.

A marca do assistencialismo, como núcleo do conflito, justamente é vista quando percebemos que os moradores não participam em nenhum momento das decisões sobre o seu próprio lugar de morada. Por meio da gestão do espaço, a ONG, formada por não moradores, decidiu sobre o projeto de urbanização da favela. A presença da população se resumiu a algumas pessoas de apoio no contato com aqueles que possuíam casas afetadas pelas obras. Como resultado da mesma gestão, se compôs as regras de uso do espaço público e limitações para aqueles que vivem no lugar.

Os ingredientes ONG, moradores e políticas públicas na escala do lugar proporcionaram para a Monte Azul uma melhoria das condições de habitabilidade invejável para qualquer uma das favelas existentes em São Paulo e também para muitas outras no mundo. Mas, a imbricação entre os sujeitos que nela estão produziu um emaranhado de relações que subordinou os moradores à Associação existente.

Será que estamos diante de uma derrota de um dos objetivos das reivindicações dos movimentos sociais urbanos, ou seja, da possibilidade, por meio de uma política pública e da gestão participativa direta, de poder usar os novos espaços públicos de acordo com as vontades da população que lá vive? Justamente questões como esta começam a aparecer no cenário das cidades latino-americanas.

Para maiores informações:

RIBEIRO, Fabiana Valdoski. As Contradições das Políticas de “Urbanização de Favelas”. REPHE 13, agosto de 2008, p. 40 – 68.< https://sites.google.com/site/rephe01/textos>.

Los horrores de una guerra urbana anunciada

Jean-Pierre Garnier*

La visión de las ciudades del porvenir puede ser de lo más pesimista, tal como se desprende del libro Ciudades bajo control1del geógrafo inglés «radical» —es decir, anticapitalista— Stephen Graham. Pesimista, sí, pero también realista: a partir del análisis de lo que se está preparando o ya desarrollando en las ciudades en este momento de «frenesí securitario globalizado», el autor muestra lo que el modo de producción capitalista ha llegado a ser hoy día, so pretexto de la «lucha contra el terrorismo» y otras «violencias urbanas»: un modo de destrucción de las relaciones civilizadas entre los miembros de una sociedad.

Las informaciones reunidas por S. Graham acerca de las nuevas estrategias y técnicas de mantenimiento del orden en las metrópolis no dejan lugar a dudas sobre lo que será de éstas en caso de sublevamiento popular: se convertirán en los principales campos de batalla de mañana. Parece que, en efecto, la urbanización de un mundo minado por desigualdades crecientes correrá a la par de una intensificación de una guerra social urbana, abierta o larvada, llamada de « baja intensidad ». Se trata de una guerra no declarada donde, paralelamente a la formación de cuerpos represivos especializados en la lucha contra las insurrecciones, se pondrán en marcha innumerables (y cada vez más perfeccionados) dispositivos high-tech de vigilancia, control y neutralización de un enemigo que va haciéndose más y más omnipresente y huidizo (percibido a la vez como exterior e interior, global y local, real y virtual), y que, debido al auge de la precarización, de la pauperización y de la marginalización en masa, tiende a confundirse con la mayoría de los ciudadanos.

A la vista de los preparativos belicosos intensivos descritos por Stephen Graham, diríase que las clases dirigentes no están del todo seguras de gozar de un estado de «paz civil» duradero o sostenible, como a algunos les gusta decir. Tampoco parece que la creciente acumulación del capital, ahora transnacionalizada, tecnologizada, financiarizada y flexibilizada, vaya a protegerlas de la revuelta masiva de quienes pagaron los platos rotos. Así que todo está ya preparado para ganar las «guerras de cuarta generación» -como dicen en la jerga del Pentágono- que se perfilan en el horizonte de las metrópolis del siglo XXI.

Lo que debería llamar la atención es la evolución de la relación de fuerzas entre las «del orden» y las de la «subversión». Probablemente nunca antes de ahora haya sido tan desfavorable para las últimas. Si tomamos como ejemplo la Francia de Napoleón III, el aplastamiento de la Comuna de París por el ejército contrarrevolucionario venido de Versalles muestra una diferencia de fuerzas que hoy sería un verdadero abismo. S. Graham nos ofrece una descripción tan detallada como espantosa del armamento ultra-sofisticado y de las tropas de choque entrenadas para el «control de la muchedumbre» y para sofocar las manifestaciones y protestas colectivas en las ciudades contemporáneas. Por ello, cuando el geógrafo David Harvey, «radical» él también, proclama retóricamente que «la revolución será urbana o no será»2, habría que recordar la advertencia del Presidente Mao Ze Dong, según la cual «la revolución no es una cena de gala».

Ciudades bajo control confirma, en todo caso, lo que las dos últimas guerras mundiales, Auschwitz e Hiroshima han dejado ya entrever: que, conjugado con la permanencia de las relaciones de producción y de dominación capitalistas que determinan su orientación y su utilización, el desarrollo científico y técnico ya no puede ser identificado con ninguna clase de «progreso».

El peinado audiovisual y digital del territorio urbano, el espionaje generalizado de las redes de comunicación, el urbanismo «fortificado» de ciertos espacios urbanos «defensivos», el recurso sistemático a «armas no letales» que incapacitan de por vida, las «ejecuciones extrajudiciales» con la ayuda de drones, microrobots voladores capaces de reconocer el ADN para atacar a individuos registrados como «sospechosos» en las bases de datos militares o policiales, etc., son otros tantos signos de una regresión de índole a la vez ética y política, por no decir de una barbarie incrementada, aunque sea new-look. En las ciudades, con esta guerra urbana «sin origen ni fin ni límites» que ya ha empezado, concluye Stephen Graham, la democracia y el Estado de Derecho inscritos en las banderas del nuevo imperialismo acabarán por perder las últimas apariencias de realidad. El desarrollo de respuestas represivas a la reivindicación de la ciudad como arena política tiende a hacer de ésta una mera arena policial.

* Jean Pierre Garnier es sociólogo.

1 Stephen Graham. Villes sous contrôle. La militarisation de l’espace urbain, La Découverte, 2012. En inglés. Cities under siege, Verso, 2010.

2 David Harvey. The right to the city, Monthly Review, 2008.