Os médicos na transformação do espaço das cidades

Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá*

nirvanadesa@gmail.com

O final do século XIX e início do século XX foi um período marcado pelo discurso da necessidade de higienizar as cidades. A partir disso foi definida uma série de determinações para a construção de equipamentos urbanos que favorecessem a salubridade. Os hábitos higiênicos passam a ser divulgados enquanto norma para uma população sem acesso ao conhecimento médico e científico e, com isto, surge uma nova forma de pensar e gerir as cidades, fundada a partir desse princípio. Este novo olhar que se lança sobre os espaços é parte do Movimento Higienista, que, aliado ao conhecimento médico da época, buscava adequar as cidades a fim de evitar a ocorrência de epidemias.

Estas epidemias tiveram um acréscimo considerável em função do adensamento populacional, consequência da Revolução Industrial ocorrida em alguns países e da então ausência de conhecimento sobre o surgimento, contágio e transmissão das doenças, bem como dos métodos de combatê-las. A constatação das dificuldades higiênicas nos novos aglomerados resulta em várias intervenções no espaço urbano por parte dos médicos, como a determinação para a instalação de abastecimento de água e limpeza de fontes de água; construção de cemitérios; e de hospitais de isolamento para os enfermos; pintura de casas; instalação de janelas e portas que favorecessem a circulação do ar, entre outras. Estes profissionais médicos tomam para si, com respaldo do Estado, a responsabilidade por ordenar e manter saudáveis as cidades, bem como difundir as ideias higienistas para a população.

O saber médico administraria o espaço urbano com base na Teoria dos Miasmas, a qual defendia que as doenças eram transmitidas pelos ares de uma atmosfera contaminada. Isso ocasionaria o fortalecimento de um preconceito social que justificava as intervenções autoritárias e o afastamento da população considerada “perigosa” para os lugares habitados pela “boa gente”. Por não possuírem ainda, os meios técnicos suficientes à descoberta dos micróbios, das bactérias e dos vírus, como os microscópios, por exemplo, as autoridades médicas não apenas acreditavam, como também difundiam a ideia de que as doenças eram transmitidas através de um ambiente onde o ar estaria contaminado pelos odores da sujeira das ruas e dos corpos, tanto dos vivos como dos mortos.

Os conhecimentos técnicos da engenharia e da medicina estavam, portanto, muito relacionados ao planejamento urbano entre os finais do século XIX e início do século XX. A higiene nas cidades passa a ser entendida como uma filosofia social que propõe combinar as necessidades fisiológicas e culturais com o meio ambiente, a fim de controlar as enfermidades coletivas através do ar puro, da água potável, de uma habitação apropriada, do verde e do sol.

Com isso, os médicos exercem um controle social, principalmente sob a classe de menor poder aquisitivo como os operários, mendigos, prostitutas, doentes e loucos. Toda esta parcela da população era entendida enquanto ‘classe perigosa’, ou seja, eram perigosos por provocar espanto aos olhos da elite da cidade, por apresentar sua pobreza nas ruas e por serem considerados meio de contágio de doenças.

Intervenção na cidade: Arrasamento do Morro do Castelo no Rio de Janeiro em 1922. Esta intervenção se deu pela crença de que seria necessária uma maior circulação do ar para evitar a ocorrência de epidemias. Imagem disponível em: https://arquitetandoblog.wordpress.com/2007/06/23/reformas-urbanas-rio-de-janeiro-seculo-xx/
Intervenção na cidade: Arrasamento do Morro do Castelo no Rio de Janeiro em 1922. Esta intervenção se deu pela crença de que seria necessária uma maior circulação do ar para evitar a ocorrência de epidemias. Imagem disponível em: https://arquitetandoblog.wordpress.com/2007/06/23/reformas-urbanas-rio-de-janeiro-seculo-xx/

A divulgação da higiene enquanto único meio eficaz para a diminuição da ocorrência de epidemias nas cidades gerou um controle sobre os espaços e sobre os corpos. Esse alcance se fazia a partir da vigilância, da punição, e até mesmo do policiamento, a fim de que uma prática higiênica fosse posta nas cidades, não só nos espaços físicos, como ainda nos hábitos da população.

A análise temporal nos leva a considerar o Movimento Higienista, juntamente com a ideia de progresso a Modernidade como responsáveis ou justificativas para alterações físicas nas cidades, alterações na forma de habitar e mesmo de pertencer à este espaço.

Para maior infor­ma­ção:

SÁ, Nirvana L. A. R. de. O Movimento Higienista e alterações do espaço urbano na Cidade da Parahyba (1854-1912). Revista Mercator. Vol. 11. N. 25. Maio/Agosto de 2012.

Disponível em http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/view/685/420

*Nirvana é Doutoranda do IPPUR da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente em intercâmbio com Bolsa Capes (Brasil) na Universidade de Barcelona.