ylvio Bandeira de Mello e Silva
Uma bela obra de arte pintada por Ambrogis Lorenzetti, entre 1337 e 1339, exposta no Palácio Público de Siena/Itália, já retratava bem, em seis quadros integrados, como deveria ser um bom governo e como seria um mau governo (imagens disponíveis no Google). Em resumo, a paisagem urbana em um bom governo, com um rei virtuoso, seria bem organizada e teria efeitos favoráveis no campo expressos em uma paisagem também bem organizada e atraente. A paisagem urbana em um mau governo, dirigido por um tirano, não seria bem estruturada, com conflitos, prédios em ruinas e até mortos nas ruas. Os efeitos no campo seriam desastrosos, com guerra, casas destruídas e plantações queimadas.
É importante recuperar as questões relacionadas com governo/governabilidade em um momento de grave crise nacional É importante recuperar as questões relacionadas com governo/governabilidade em um momento de grave crise nacional. Inicialmente, é preciso considerar como tese que um bom governo nacional teria repercussões favoráveis nas escalas municipal, estadual e regional. O destaque neste artigo será dado aos municípios e às regiões metropolitanas brasileiras pelo fato de que os mesmos possuem uma legislação bem detalhada sobre planejamento e gestão municipal (Lei 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade, com abrangência sobre todo o município) e planejamento e gestão metropolitana (Lei 13.089/2015, chamada de Estatuto da Metrópole, envolvendo toda a região metropolitana). Evidentemente, um bom governo estadual também deveria ter bons efeitos sobre todos os municípios e regiões que compõem o território de cada estado.
Considerando a evolução das ideias sobre governo e políticas públicas e a experiência histórica sobre planejamento em sociedades democráticas, é mais adequado chamar hoje de governança e não governo. Com efeito, a governança vai além das considerações sobre governo e governabilidade (a capacidade de um governo em exercer seu poder através de complexas relações de força) na medida em que a governança passa a integrar mais fortemente os planos e as ações de um governo aos planos e ações dos cidadãos e do mundo empresarial. Isto rompe a tradição, quase sempre com um perfil técnico-burocrático, de se ter um governo agindo de forma distante da sociedade, incluindo aí os setores produtivos como um todo. Ora, a integração acima é prevista claramente nos dois Estatutos, o da Cidade e o da Metrópole, por sinal, bem fundamentados na Constituição Federal de 1988. Por exemplo, o Artigo 40 do Estatuto da Cidade garante a participação da população e das associações representativas da comunidade na elaboração do plano e na fiscalização de sua aplicação. Já o Estatuto da Metrópole fala em governança interfederativa (Artigo 2º e Capítulo III), em gestão democrática (Artigo 6º) e em participação de representantes da sociedade civil nos processos de planejamento e de tomada de decisão e ainda no acompanhamento dos serviços e das obras (Artigo 7º).
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 (Artigo 25 § 3º) menciona no processo de planejamento metropolitano as funções públicas de interesse comum, lembrando a R.E. Dickinson (1961), quando ele afirma que a região política ideal, seja grande ou pequena, é aquela que possui o maior número de interesses comuns. Já o Estatuto da Cidade destaca o interesse social na execução da política urbana, o que pode ser consequência, segundo o geografo Paul Claval (1981), da lógica da cidade que é a de ser uma organização que maximiza a interação social.
No caso das regiões metropolitanas […] deve haver um pacto intermunicipal Assim, todo cidadão brasileiro tem hoje direito a uma governança que começa no lugar onde reside, o seu município, e de forma progressiva, atinge todo o território nacional, passando pelas escalas microrregionais, como a das regiões metropolitanas, e a escala dos estados da Federação. No caso das regiões metropolitanas, envolvendo, em geral, milhões de habitantes, deve haver um pacto intermunicipal, ou seja, todos os planos diretores municipais nas regiões metropolitanas devem ser compatibilizados com o plano metropolitano a ser aprovado pela Assembleia Legislativa estadual. O objetivo é valorizar os interesses comuns e a busca de soluções para os conflitos e problemas metropolitanos e não mais locais (municipais). No caso dos municípios fora das regiões metropolitanas, eles podem se articular voluntariamente entre si através de consórcios públicos intermunicipais (Lei 11.107/2005), o que já vem ocorrendo de forma crescente em todo o Brasil. Eles podem ter um caráter setorial, como a saúde ou saneamento, por exemplo, ou podem ter uma perspectiva abrangente, envolvendo questões de desenvolvimento que possam interessar todos os municípios envolvidos. Eventualmente, as regiões metropolitanas podem se organizar institucionalmente sob a forma de consórcios públicos.
Portanto, a boa governança municipal e metropolitana é a que garante ao cidadão o direito de participar ativamente no processo de construção social de espaços locais e regionais com mais qualidade de vida para todos. Infelizmente, muitas regiões metropolitanas brasileiras ainda não estão aplicando plenamente as diretrizes do Estatuto da Metrópole e muitos Planos Diretores Municipais não conseguem assegurar claramente a participação da sociedade, comprometendo a formulação de relevantes diretrizes estratégicas. Este é o grande desafio, por exemplo, do Plano Diretor atualmente em elaboração em Salvador e que deverá estar concluído até o final do ano.
É preciso acompanhar de perto o que está acontecendo para garantir, através da mobilização social, a execução de uma boa governança municipal e metropolitana no Brasil.
Cabe então imaginar: como o artista italiano pintaria hoje a nossa governança urbana e metropolitana? Boa ou má?
Para maiores informações:
SILVA, S. B. de M. e.; SILVA, B. C. N.; SILVA, M. P. A Região Metropolitana de Salvador na rede urbana brasileira e sua configuração interna. Scripta Nova, Barcelona, v. 18, n. 479, jun. 2014. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-479.htm>.
Sylvio Bandeira de Mello e Silva é Doutor em Geografia e Professor do Programa de Pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social / UCSAL, Salvador/Bahia.