Sérgio Claudino*
Nunca visitei Pedrógão Grande, onde eclodiu o incêndio, nem Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, municípios vizinhos, integrados na Região de Leiria, igualmente muito afetados pelo fogo – que, entretanto, se estendeu a outros municípios, como Oleiros e Góis.
Quadro 1 – Indicadores de demográficos e económicos 2015
Pop. Absol. | Dens. Popul. | Saldo natural | Índice de envelhec. | Poder de compra per capita | |
Pedrógão Grande | 3585 | 27,8 | -48 | 275 | 69 |
Castanheira de Pera | 3289 | 42,4 | -43 | 370 | 70 |
Figueiró dos Vinhos | 6374 | 33,6 | -58 | 315 | 70 a) |
Oleiros | 5885 | 11,3 | -112 | 581 | 62 a) |
Góis | 4001 | 15,2 | -42 | 303 | 67 a) |
Portugal | 10358076 | 112,3 | -23039 | 144 | 100 |
- Valores de 2013 Fonte: Instituto Nacional de Estatística, www.ine.pt
Este são municípios do “Pinhal Interior”, em que domina a floresta de eucaliptos e pinheiros. Possuem uma limitada população, baixa densidade populacional, estão em perda de população, com uma população extraordinariamente envelhecida – da mais envelhecida em Portugal (Quadro 1) e, mesmo, na União Europeia. Enfim, é uma população com reduzido poder aquisitivo.
Nestes concelhos repulsivos, periféricos, a floresta vai tomando conta das parcelas de terra que deixam de ser cultivadas.
Nestes concelhos repulsivos, periféricos, a floresta vai tomando conta das parcelas de terra que deixam de ser cultivadas. O facto de terrenos perderem pastos, cereais, hortas e passarem a ter mato e floresta, facilita a progressão dos incêndios.
O incêndio iniciou-se, aparentemente, por causas naturais: no sábado houve condições anormais de temperaturas elevadas (mais de 40ºC) e grande secura do ar; o incêndio terá começado com uma trovoada seca, em que um raio atingiu uma árvore, que pegou fogo. Os ventos fortes espalharam o fogo em várias direções.
Muitos dos mortos em consequência do incêndio faleceram nas suas viaturas: ou na estrada nacional que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera (e aí reside a grande questão deste grande incêndio, se esta estrada nacional não deveria ter sido cortada ao trânsito mais cedo, no passado sábado) e/ou eram habitantes de pequenas aldeias ameaçadas pelos fogos, que pegaram nos seus carros e tentaram fugir, frequentemente com árvores incendiadas a caírem sobre os próprios carros. Em geral, sobreviveram as pessoas que ficaram nas aldeias, aproveitando os espaços conhecidos.
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No Verão, em Portugal, são infelizmente habituais estas tragédias, quando as temperaturas são elevadas e a humidade reduzida, como é caraterístico do clima mediterrânico. Contudo, estes incêndios são os mais mortais de sempre no país. Há um problema que é habitualmente reconhecido: a falta de ordenamento territorial das áreas atingidas e, em particular, de ordenamento florestal. Enquanto a floresta se expandir sem controlo, se aproximar das populações, sem limpeza do substrato arbóreo, sem uma vigilância adequada contra incêndios e sem recursos técnicos e humanos suficientes para acudir aos incêndios, este drama português ameaça perpetuar-se.
Há muita geografia por detrás da atual catástrofe dos incêndios em Portugal.
*Professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa