Os incêndios de junho em Portugal – uma leitura geográfica da catástrofe

Sérgio Claudino*

Nunca visitei Pedrógão Grande, onde eclodiu o incêndio, nem Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, municípios vizinhos, integrados na Região de Leiria, igualmente muito afetados pelo fogo – que, entretanto, se estendeu a outros municípios, como Oleiros e Góis.

Quadro 1 – Indicadores de demográficos e económicos 2015


Pop. Absol.Dens. Popul.Saldo naturalÍndice de envelhec.Poder de compra per capita
Pedrógão Grande358527,8-4827569
Castanheira de Pera328942,4-4337070
Figueiró dos Vinhos637433,6-5831570 a)
Oleiros588511,3-11258162 a)
Góis400115,2-4230367 a)
Portugal10358076112,3-23039144100
  1. Valores de 2013 Fonte: Instituto Nacional de Estatística, www.ine.pt

Este são municípios do “Pinhal Interior”, em que domina a floresta de eucaliptos e pinheiros. Possuem uma limitada população, baixa densidade populacional, estão em perda de população, com uma população extraordinariamente envelhecida – da mais envelhecida em Portugal (Quadro 1) e, mesmo, na União Europeia. Enfim, é uma população com reduzido poder aquisitivo.

Nestes concelhos repulsivos, periféricos, a floresta vai tomando conta das parcelas de terra que deixam de ser cultivadas.

Nestes concelhos repulsivos, periféricos, a floresta vai tomando conta das parcelas de terra que deixam de ser cultivadas. O facto de terrenos perderem pastos, cereais, hortas e passarem a ter mato e floresta, facilita a progressão dos incêndios.

O incêndio iniciou-se, aparentemente, por causas naturais: no sábado houve condições anormais de temperaturas elevadas (mais de 40ºC) e grande secura do ar; o incêndio terá começado com uma trovoada seca, em que um raio atingiu uma árvore, que pegou fogo. Os ventos fortes espalharam o fogo em várias direções.

Muitos dos mortos em consequência do incêndio faleceram nas suas viaturas: ou na estrada nacional que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera (e aí reside a grande questão deste grande incêndio, se esta estrada nacional não deveria ter sido cortada ao trânsito mais cedo, no passado sábado) e/ou eram habitantes de pequenas aldeias ameaçadas pelos fogos, que pegaram nos seus carros e tentaram fugir, frequentemente com árvores incendiadas a caírem sobre os próprios carros. Em geral, sobreviveram as pessoas que ficaram nas aldeias, aproveitando os espaços conhecidos.

No Verão, em Portugal, são infelizmente habituais estas tragédias, quando as temperaturas são elevadas e a humidade reduzida, como é caraterístico do clima mediterrânico. Contudo, estes incêndios são os mais mortais de sempre no país. Há um problema que é habitualmente reconhecido: a falta de ordenamento territorial das áreas atingidas e, em particular, de ordenamento florestal. Enquanto a floresta se expandir sem controlo, se aproximar das populações, sem limpeza do substrato arbóreo, sem uma vigilância adequada contra incêndios e sem recursos técnicos e humanos suficientes para acudir aos incêndios, este drama português ameaça perpetuar-se.

Há muita geografia por detrás da atual catástrofe dos incêndios em Portugal.

*Professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa