Em 16 de fevereiro de 2017, foi aprovada a medida provisória 746/2017 (mp746) que suprimiu a disciplina de geografia do ensino médio (bachillerato/espanha, high school/eua) das escolas brasileiras, disponibilizando-a como optativa numa organizacão denominado de “itinerários formativos”, e que dependerá da infraestrutura da escola, do número de professores disponíveis, e do projeto pedagógico.
A mp/746 é uma emenda na lei de diretrizes e bases da educação nacional (ldbs), lei 9.394, aprovada em 1996, e um de seus objetivos foi mudar a lei 11.161 que orienta o fundo nacional de desenvolvimento da educação básica (fundeb), responsável pela destinação das verbas na educação.
Desde 1996 implementava-se uma reforma educacional que envolveu a aprovação e publicação de leis, resoluções, pareceres, publicação de propostas curriculares e reorganização das disciplinas que compunham o currículo escolar. Como as reformas educacionais saem dos gabinetes do ministério da educação (mec) e demoram muito para chegar à sala dos professores sabia-se desde 1996 que geografia permaneceria na área de ciências humanas e sociais (com história, ciências sociais, filosofia), mas não se sabia exatamente como e, portanto, caiu no esquecimento.
As entidades que representam a geografia brasileira e que se manifestaram: associação dos geógrafos brasileiros (agb), associação nacional de pós-graduação e pesquisa em geografia (anpege), teceram críticas às propostas pedagógicas presentes na nova reforma do ensino médio.
Nossas preocupações dirigem-se especificamente ao ensino de geografia, que quase deixou de existir a partir dessa reforma.
Porque nossa preocupação volta-se a essa supressão de geografia no ensino médio? Por que ela faz parte de um pacote que muda a abordagem geográfica presente no ensino. Retira-se um ensino, que embora distante, tinha suas referências na geografia francesa, com destaque para o trabalho de campo e para a abordagem regional; e implementa-se um ensino referenciado pelos conselhos de geografia dos estados unidos e europa, de abordagem sistêmica e técnica, adequada a um ensino profissionalizante.
A proposta implementada remete a década de 1950, a uma política da organização das nações unidas para a educação, a ciência e a cultura (unesco), denominada de educação geográfica. A unesco, por meio do conselho nacional para educação geográfica (ncge), com base na escola primária norteamericana produziu o livro de “referência para o ensino geográfico”, que orientaria a educação geográfica. Rechaçada na década de 1960 e 1970, o que chegou desta proposta no brasil, principalmente depois da década de 1990, resume-se a cartografia escolar, e a utilização de diversos recursos didáticos que não são exclusivos da geografia: recursos tecnológicos, culturais, pedagógicos – atividades de localização e orientação.
Se para os anos iniciais do ensino fundamental sugeriu-se a educação geográfica; para os anos finais sugeriu-se a educação ambiental: conteúdo voltado para ciências da terra, referenciados pela ecologia, biologia e geologia, dedicados a questões ambientais e sustentáveis. A educação geográfica dialoga com a pedagogia; a educação ambiental dialoga com as ciências da terra. A geografia, que decodifica o espaço físico para as ciências sociais dialogará com quem?
Considerando as mudanças provocadas por essa reforma educacional, a questão ambiental, sustentabilidade, migração e trabalho passaram a orientar as abordagens da educação geográfica e/ou da geografia. Suprimiram os conteúdos de geografia do ensino médio; e os conteúdos de geografia dos nove anos que compõe o ensino fundamental são de educação geográfica.
A unidade da geografia, estabelecida pela relação sociedade/natureza não explicaria mais a transformação da paisagem ou do espaço geográfico? A natureza deve ser substituída pelo ambiente? A interdisciplinaridade da geografia, presente em seu arcabouço teórico, oriundo do debate clássico estabelecido entre franceses e alemães não responderia às questões ambientais e sociais? Esta reforma emerge de uma superação teórica ou de subsídios a políticas econômicas internacionais?
A questão ambiental discute um quadro já dado; resultado da ação humana, e que a geografia, com suas escalas de análise, suas abordagens física e humana, as relações que estabelece entre as dinâmicas da sociedade e da natureza contribuiria não só para preservação e sustentabilidade, mas também para prevenção, resultado de uma formação geográfica que contribuiria para aumentar o equilíbrio entre os aspectos da natureza, que em um país tropical são frágeis; e diminuir as diferenças sociais que resultam em enormes contradições.
Para maiores informações:
DEFFUNE, Glaucia; LIMA, Maria das Graças de. (Org.) Da geografia que se faz à geografia que se quer – muitos caminhos a percorrer. Maringá: EDUEM. 2013.
Maria das Graças de Lima, professora do Departamento de Geografia, da Universidade Estadual de Maringá (UEM).