Os Motoboys no Globo da Morte: circulação no espaço e trabalho precário na cidade de São Paulo

A atividade profissional dos motoboys é um fenômeno urbano bastante recente. Cada vez mais integrada à paisagem da cidade de São Paulo, ela tem suas origens em meados da década de 1980 e impulso definitivo no início da década de 1990. Devido ao seu rápido e exponencial crescimento, aliados à dinâmica e natureza de seu trabalho, os motoboys passam a ser alvos certos e constantes das mais diversas controvérsias e conflitos no trânsito paulistano.

Isso porque os motoboys aceleraram rapidamente suas motocicletas pelas as ruas e as avenidas de São Paulo, ziguezagueando entre um carro e outro, para que as entregas (pequenas mercadorias e documentos diversos) precisam chegar ao seu destino certo e no tempo previsto. E é esta relação tênue com a cidade, entre as exigências do tempo e limites do espaço, a expectativa e a satisfação das entregas rápidas, que a atividade profissional dos motoboys, submetida às estratégias e às racionalidades do capitalismo contemporâneo, garante parte das exigências da circulação rápida e consumo na cidade de São Paulo.

É neste sentido que a atividade profissional dos motoboys ajuda a revelar as transformações socioespaciais na cidade e no mundo do trabalho. Isso porque, parte considerável desses profissionais passa a ocupar os postos da subcontratação, do trabalho parcial, do trabalho temporário, do trabalho terceirizado, especialmente aqueles que disparam na garupa da informalidade.

A atividade dos motoboys não é um fenômeno exclusivo de São Paulo. Ao contrário. É um fenômeno que se multiplica especialmente nas grandes cidades brasileiras – até mesmo internacionais. Na capital paulista, acredita-se que o número pode chegar até 250 mil profissionais. Um estudo publicado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em 2003, mostra que dos 1141 motociclistas entrevistados, 62% eram motoboys e 38% eram motociclistas. Entre os primeiros, verifica-se o predomínio do sexo masculino: são 99% do total. Outro quesito que é possível observar relaciona-se à faixa etária dos motoboys, pois há um predomínio entre 20 e 24 anos, representando 32%; se agruparmos aqueles de faixa etária entre 18 e 29 anos, verifica-se um predomínio de 77%.

Mas apesar dos números apontarem uma atenção especial aos jovens motoboys, o fato é que independente da idade e do gênero, o que prevalece é a necessidade de garantir as entregas rápidas no espaço voltado às exigências da circulação. Mas esta racionalidade que enquadra os motoboys como parte desta nova condição da cidade torna-se ainda mais aguda quando aquelesna informalidade, comsuas decorrentes formas de remuneração (basicamente por hora ou por entregas efetuadas), acabam sendo induzidos a um ritmo intenso de entregas e, por conseguinte, expostos as mais diversas situações de riscos e acidentes de trânsito inerentes a sua atividade profissional.

Manifestação dos Motoboys no Centro de São Paulo – Foto do autor, 18/01/2008
Manifestação dos Motoboys no Centro de São Paulo – Foto do autor, 18/01/2008

Parte da explicação desse fenômeno urbano que desponta em São Paulo com maior intensidade na década de 1990 em diante, refere-se ao histórico privilégio concedido aos motoristas de automóveis em detrimento dos transportes coletivos, que induziu um aumento excessivo de automóveis e altos índices de congestionamento em São Paulo.

É neste sentido que, à primeira vista, a motocicleta aparecia como uma alternativa motorizada e viável ao congestionamento do trânsito paulistano. Não por acaso que na cidade de São Paulo, segundo o Detran (Departamento Estadual de Trânsito), em 2000 a frota de motocicletas era de 348.098 unidades e, em 2008, passou para 658.973, o que representou um aumento aproximado de 90% no período.

Todavia, o crescimento da frota de motocicletas acabou gerando uma série de conflitos e disputa pelo espaço, principalmente entre os motoristas de automóveis, historicamente privilegiados, e motoboys, os “invasores”. E, justamente, a partir desta relação conflituosa que se verificou uma aumento intenso dos acidentes envolvendo motocicletas – mesmo não especificando se o motociclista era ou não motoboy –, conforme dados da CET, foram registrados, em 2007, 15.193 acidentes com vítimas envolvendo motocicletas (55% do total), aproximadamente 41 acidentes por dia. Já em relação aos acidentes fatais envolvendo as motocicletas, em 2007, aconteceram 466 óbitos, cerca de 1,3 por dia.

Para maio­res informações

SILVA, Ricardo Barbosa da. Motoboys no Globo da Morte: circulação no espaço e trabalho precário na cidade de São Paulo. 1. ed. São Paulo: Humanitas/Fapesp, 2011. 260p. ISBN: 978-85-7732-163-6.

SILVA, Ricardo Barbosa da. Motoboys, Circulação no Espaço e Trabalho Precário na Cidade de São Paulo. Geousp (USP), v. ed., p. 41-58, 2009. Disponível em: http://citrus.uspnet.usp.br/geousp/ojs-2.2.4/index.php/geousp/article/viewArticle/160

Ricardo Barbosa da Silva é Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo e Professor da Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo.