Teresa Barata-Salgueiro*
O turismo cresceu consideravelmente nos últimos anos e diversificou-se. Em 2016 a procura turística mundial foi de 1235 milhões de pessoas, o que representa um aumento de 4%, 46 milhões, em relação a 2015. O turismo actual caracteriza-se por grande diversidade. A alteração nas características dos viajantes, nas motivações para a viagem e na sua vivência determinaram mudança nos destinos escolhidos e procura de alternativas à oferta hoteleira tradicional. A Airbnb e outras plataformas semelhantes favorecem a expansão de formas de alojamento mais próximas das vivências dos locais. Este texto trata do chamado alojamento local (AL), apartamentos para alugar por períodos curtos a turistas. Depois de analisar as transformações associadas à turistificação de Lisboa, chamo a atenção para o papel desempenhado pela mobilidade dos capitais e pelas políticas públicas nesse processo.
Falta de conservação, população envelhecida e valores de alugueres baixos contribuíram para a degradação de muitos edifícios do centro histórico de Lisboa que perde população desde 1980. Com as oportunidades de negócio no turismo e os incentivos à reabilitação urbana assistiu-se nos últimos anos a obras nos prédios e apartamentos destinados ao aluguer em AL. Os centros urbanos ganharam nova vida e animação, mas crescem as referências à presença excessiva do turismo, pelos problemas que acarreta para os residentes.
A turistificação evidencia também a agudização das desigualdades e respostas à crise. Estudos efectuados em Lisboa mostram que os detentores deste tipo de propriedades são relativamente jovens e, para muitos, a actividade representa o essencial do seu trabalho ou um complemento indispensável dos rendimentos.
Identificaram-se sinais de dualização e concentração na estrutura da propriedade dominada pelos que apenas possuem uma unidade (71% dos titulares com 34% das unidades) e os que exploram grande número (3,7% com 29% das unidades), com tendência para aumentar, em resultado da concorrência.
O AL tem uma fortíssima concentração no centro histórico de Lisboa (Fig 1). De facto, em 2017, havia 12,3 apartamentos turísticos por 1000 residentes na cidade, mas esse índice atinge 148 por mil no coração do centro histórico. Nesta área, pequenos apartamentos em edifícios sem elevador nem garagem rendem mais quando destinados ao turismo e saem do mercado normal do arrendamento. As casas para alugar escasseiam e os preços disparam. É quase impossível famílias de rendimentos baixos e médios terem agora acesso a um alojamento com localização central. Registaram-se também alterações nas condições de vida de muitos bairros. São constantes as referências ao ruído provocado por grupos de forasteiros fora de horas, a história de vizinhos forçados a abandonar as suas casas, ao comércio local que foi substituído por bares e lojas de artesanato.
Para se entender estes processos tem de atender-se às mudanças verificadas no turismo, e considerar também o papel que o imobiliário desempenha na acumulação do capital. A facilidade em negociar hipotecas sobre o imobiliário integra este sector na financeirização da economia e na circulação geral de capitais à escala internacional. Os territórios tornaram-se objecto de operações de investimento que concentram a procura em determinados locais, com consequência na subida de preços e obtenção de vultuosas mais-valias. Verifica-se interesse crescente de capitais estrangeiros por projectos de reconstrução de edifícios, com frequência destinados a habitação e uso turístico, tanto hotéis como unidades de AL.
As políticas públicas favorecem estas dinâmicas. Facilidades fiscais e de residência concedidas a não nacionais a troco de investimento, quase sempre no imobiliário, a aposta no turismo urbano como motor da economia, a política de incentivos à reabilitação urbana, acções de requalificação do património e do espaço público, de marketing e promoção da imagem urbana, bem como o crescimento da oferta cultural conjugaram-se para aumentar os turistas em Lisboa, como sucede em muitas outras cidades. A alteração da lei do arrendamento em 2012, com a liberalização do valor dos alugueres e a maior facilidade em cessar o direito do inquilino à habitação, facilitou a expulsão de muitas famílias de suas casas.
A turistificação das cidades é acompanhada de importante intervenção no edificado e no espaço público, crescimento das actividades económicas e do emprego, mas tem também efeitos perversos, porque reduz drasticamente a oferta de casas para arrendar, inflacionando o valor dos alugueres, nega o acesso ao lugar a residentes expulsos de suas casas e bairros, viola a privacidade e segurança de alguns edifícios e contribui para a descaracterização dos sítios. É objecto de controvérsia social e política e presença constante nos media. Muitas cidades têm tentado regular o AL fixando um limite de dias no ano para a ocupação do alojamento, exigindo licenciamento, limitando o número de licenças em certas áreas, alterando o regime fiscal. Não têm tido grande sucesso. Os estudos mostram que é necessário integrar o turismo tendo em vista uma cidade aberta à diversidade e à inovação mas socialmente inclusiva.
Para maior informação:
Barata-Salgueiro,T. Alojamentos Turísticos em Lisboa. Em: Scripta Nova.Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universitat de Barcelona. 2017, vol. XXI, nº 578
* Professora da Universidade de Lisboa, IGOT, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território.