“Eu falei que não ia estuprar você porque você não merece!” Foram as palavras ditas por Jair Bolsonaro, do Partido Progressista (PP), no plenário da Câmara dos Deputados brasileiros em dezembro de 2014. O deputado se dirigia à sua colega de trabalho, Maria do Rosário do Partido dos Trabalhadores (PT). Esse exemplo, ainda que não possa ser considerado como assédio moral, serve de mote para refletir sobre um problema social que atinge os trabalhadores e trabalhadoras da América Latina.
Apesar de ainda não haver um regramento quanto ao assédio a Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio da convenção nº 111, trata da discriminação referente ao emprego ou profissão. A discriminação baseada nas relações de gênero seria a base para tornar as mulheres as principais vítimas do assédio.
Segundo o Panorama Laboral 2014 da OIT, Brasil, México e Argentina possuem cerca de 65% da população economicamente ativa urbana da América Latina e Caribe. Devido ao fato de serem os países com a maior concentração de trabalhadores(as) latino-americanos(as), apresentamos brevemente a situação de cada um em relação ao tema.
No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) define o assédio moral como “toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude etc.) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. Em 2001, com a Lei nº 10.224 do Código Penal, o assédio sexual passou a ser considerado crime. Em 2010 o MTE criou uma cartilha, com o intento de subsidiar os atores sociais na consolidação de relações de trabalho mais dignas para a classe trabalhadora.
Segundo a cartilha, a maioria das vítimas de assédio no trabalho é mulher e negra. Trata-se de uma dupla discriminação. Também demonstraram que mulheres e homens reagem de maneira diferente quando vítimas de assédio, que reflete uma concepção patriarcal.
No México, em 2013, uma publicação da Gaceta Parlamentaria, argumentava sobre a necessidade da criação de um marco legal que puna os assediadores e proteja o direito das vítimas. A Lei Federal do Trabalho passou por uma reformulação em 2012 e estabeleceu que não poderia haver discriminações de gênero no trabalho. No 3º artigo há o destaque para o assédio sexual que, no Código Penal Federal, apenas será punível quando causar lesão. A empresa OCC Mundial divulgou que 51% dos profissionais mexicanos sofreu algum tipo de assédio no trabalho e destacou que destes, 70% consideraram que ambos os gêneros estão expostos a sofrer intimidação laboral. Indicando o quanto pode ser velada a tendência do assédio às trabalhadoras. A necessidade de haver provas do ocorrido dificulta, em muitos casos, que a vítima possa denunciar ou obter algum resultado quanto à punição do assediador.
Na Argentina, a Lei, nº 23.592 de 1988 procurou inibir atos discriminatórios. Segundo a Associação Cidadã pelos Direitos Humanos da Argentina, dos 24 distritos do país, somente três possuem algum tipo de regulação em relação ao assédio: a cidade de Buenos Aires e as províncias de Buenos Aires e Santa Fé. Destacando que a segunda possui a lei de assédio sexual somente para a administração pública e a última é a única que também inclui a regulação no âmbito privado; ambas foram sancionadas em 2001. Em março de 2012, havia um projeto de lei de prevenção e sanção da violência laboral e o assédio em escala nacional. Em 2014 os ministérios do trabalho, emprego e seguridade social e o da educação e a OIT, publicaram um material de apoio e informação sobre saúde e segurança no trabalho. Das 54 páginas da publicação, o tema assédio aparece em apenas uma página.
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A legislação e ações governamentais a nível nacional referente ao assédio no local de trabalho são bastante diferenciadas entre esses países latino-americanos (Brasil, México e Argentina), principalmente quanto ao assédio sexual. omo se pode ver, a legislação e ações governamentais a nível nacional referente ao assédio no local de trabalho são bastante diferenciadas entre esses países latino-americanos (Brasil, México e Argentina), principalmente quanto ao assédio sexual. Indagamos que, se no parlamento de um dos principais países latino-americanos, um representante demonstra total desrespeito para com uma mulher colega de trabalho, o que se pode esperar naqueles espaços em que não há visibilidade de tais acontecimentos?A legislação pode refletir a importância dada a algumas das problemáticas da sociedade, mas não representa de imediato uma mudança social, principalmente àquelas questões que exigem mudanças profundas, como o pensamento patriarcal ainda presente e que atinge diretamente a mulher trabalhadora.
A Geografia do trabalho não deve negligenciar este tema, principalmente a partir de um recorte de gênero, pois o assédio moral e sexual ainda é uma realidade que recai principalmente sobre as mulheres, portanto, consideramos que as Geografias feministas possibilitam outro olhar às relações trabalhistas.
Para maiores informações:
Associação Cidadã pelos Direitos Humanos da Argentina. Legislación Argentina. <http://www.acdh.org.ar/documentos/legislacion.htm>
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Assédio moral e sexual no trabalho. Brasília: ASCOM, 2009. <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3CB9D387013CFE571F747A6E/CARTILHAASSEDIOMORALESEXUAL%20web.pdf>
FALCÃO, Márcio; GUERREIRO, Gabriela. Para rebater deputada, Bolsonaro diz que não a ‘estupraria’. Folha de São Paulo, 8 de maio de 2015. <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1559815-para-rebater-deputada-bolsonaro-diz-que-nao-a-estupraria.shtml>
GACETA PARLAMENTARIA, Número 3718-VII,
jueves 28 de febrero de 2013. <http://gaceta.diputados.gob.mx/Black/Gaceta/Anteriores/62/2013/feb/20130228-VII/Iniciativa-15.html>
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Panorama Laboral 2014. <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—americas/—ro-lima/documents/publication/wcms_325664.pdf>
- Andressa Cristiane Colvara Almeida, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG); pesquisadora do Núcleo de Análises Urbanas (NAU/FURG).
- Susana Maria Veleda da Silva, professora em Geografia do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (ICHI) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG); pesquisadora do Núcleo de Análises Urbanas (NAU/FURG) e do Grupo de Investigación de Geografía y Género da Universitat Autónoma de Barcelona/UAB.