Agricultora familiar do dendê, autonomia ou subordinação ao capital?

No espaço rural do município de Moju temos o berço da dendeicultura empresarial, onde ela está mais dinâmica e diversificada, bem como o lugar das pioneiras experiências de integração da agricultura familiar à cadeia produtiva do dendê. Na constelação de empresas, normas e unidades produtoras familiares de dendê, destaca-se a experiência do Grupo Agropalma por ser a pioneira, com 14 anos de atuação, e por contar com um nível de enraizamento e abrangência amplo; o que o tornou protótipo para os projetos de empresas como Marborges SA, Biopalma SA e Belém Brasil Bioenergia SA.

Dentre as oleaginosas, o dendezeiro apresenta maior produtividade em todo o mundo, com rendimentos entre 4t a 6t de óleo ha/ano, o que corresponde a 1,5 vezes a produtividade do óleo de coco, a 2 vezes a do óleo de oliva e mais do que 10 vezes a do óleo de soja. No entanto, tão importante quanto ressaltar as potencialidades econômicas, ambientais e sociais do dendê, é refletir sobre as metamorfoses no modo de vida do lugar onde esse cultivo se expande. Nesse sentido, analisa-se as relações entre dendeicultura e agricultura familiar no espaço agrário do município de Moju, estado do Pará, a partir do projeto de produção familiar de dendê criado pela associação entre o Estado brasileiro e capital nacional e internacional.

O universo da pesquisa compôs-se de 44 unidades familiares integrantes dos projetos de dendê familiar I e III da comunidade do Arauaí, que estão integradas ao Grupo Agropalma. A média de membros que compõem os núcleos familiares dos integrados à cadeia produtiva do dendê ficou em torno de quatro pessoas por família. No que diz respeito aos titulares dos projetos, 84% são do sexo masculino, e 16%, do sexo feminino. O tamanho das famílias de 45% dos agricultores oscila entre quatro a seis pessoas; 41% dos entrevistados têm família com um a três pessoas, e 14% deles têm sete ou mais familiares.

Tendo como ponto de partida e enfoque metodológico o território usado, isto é, a área e o uso reciprocamente associados, mostramos que o projeto de agricultura familiar do dendê possibilita a empresa usufruir da produção da área e da força de trabalho sem estabelecer relações de assalariamento ou mesmo sem ser proprietária de terra, reeditando prática comum na região amazônica principalmente nos momentos em que os auge do mercado exigiram alta produção de borracha, juta e pimenta do reino.

Os projetos de agriculta familiar do dendê, longe de ser a panaceia para os problemas do meio rural da Amazônia paraense, constituem isto sim mais um capítulo da questão agrária na Amazônia, onde as virtudes de um produto (drogas do sertão, borracha, manganês, ferro, bauxita, energia, gado) mostram-se insuficientes para assegurar espaços menos desiguais e mais justos. A dendeicultura não é a solução, nem é a causa dos males que afligem o espaço agrário nas áreas antropizadas. É preciso superar a tradição política que subordina o desenvolvimento da Amazônia à ascensão e queda de um produto no mercado mundial, que deposita todas as esperanças ou mesmo amaldiçoa determinado produto; política que se regozija ao dizer “nossos minérios”, “nossa floresta”, “nossas riquezas” ou mesmo que repete o mito do desenvolvimento em muitos adjetivos: regional, sustentável, territorial, participativo. Sempre mais do mesmo. Esquecendo-se de perguntar quem usufrui das riquezas, sejam elas essências florestais, borracha, madeira, minérios, energia hidroelétrica e dendê. Dendê para quem? Dendê por quê? Dendê para quê?

Portanto, é preciso perguntar quem ganha com a dendeicultura, pois tão importante quanto ressaltar as potencialidades econômicas, ambientais e sociais do dendê, faz-se necessário refletir sobre quem usufrui dos dividendos dessas potencialidades, ou seja, quem fica com a renda da terra e se beneficia do território; refletir sobre os impactos no modo de vida do lugar onde o agronegócio do dendê se implanta e expande, isto é, sobre o que significa passar da condição de lavrador para a de agricultor de dendê ou, de outro modo, de camponês tradicional para agricultor familiar do dendê, em outras palavras, trabalhador para o capital.

Para maiores informações:

NAHUM, João Santos. Agricultura familiar e dendeicultura no município de Moju, na Amazônia paraense. Cuadernos de Geografía, 2018, vol. 27, nº 1. <https://revistas.unal.edu.co/index.php/rcg/issue/view/4621>.

João Santos Nahum é docente de Geografia da Universidade Federal do Pará.