Ananda de Melo Martinsi
A questão da habitação é uma das principais urgências cotidianas existente em meio a disputa na composição da cidade contemporânea no Brasil e em diversos outros países. Trata-se de uma demanda histórica. Em Brasília há registros que indicam que essa problemática se configura já no período de construção da cidade. O plano de construção da capital federal previa a criação das “cidades satélites” a partir do momento em que a área planejada, denominada de Plano Piloto, atingisse o patamar de 500 mil habitantes.
No entanto, em 1960 já haviam sido criadas três cidades satélites: Taguatinga (1958), Sobradinho e Gama (1960); e em meados da década de 1960 já havia outras duas cidades satélites estabelecidas oficialmente: Paranoá (1964) e Guará (1966).
As cidades satélites passaram a ser chamadas de Região Administrativa (RA), e atualmente são 31 a compor o município de Brasília (DF), incluindo o Plano Piloto (RA I) que corresponde à cidade planejada por Lúcio Costa sob os preceitos da Carta de Atenas, onde se reconhece mundialmente os edifícios projetados por Oscar Niemeyer. Para além do plano urbanístico se observa a cidade símbolo de um discurso de igualdade social a reproduzir, desde o primeiro momento, a mesma dinâmica das demais cidades brasileiras. Sua estrutura desigual, hierárquica e fragmentada se consolida com a implementação da política neoliberal e impacta a realização da vida e da organização coletiva. Ao mesmo tempo é incapaz de impedir completamente que a reivindicação da cidade sob a perspectiva da justiça social surja a partir de diferentes organizações coletivas.
Em torno da demanda da habitação se constituíram em Brasília inicialmente organizações coletivas atreladas às associações de moradores. Na atualidade, a atuação dos movimentos sociais de luta pela moradia apresenta maior combatividade. Explicitam a tensão e os conflitos entre o direito de morar e a atuação dos agentes públicos do Estado, que muitas vezes ao invés de garantir o direito de todos prioriza viabilizar os interesses de alguns. Ou seja, o direito assegurado pela Constituição Federal Brasileira de 1988 passa a ser submetido aos interesses de agentes privados que assumem a habitação enquanto mercadoria.
Essa realidade tem sido confrontada por diferentes movimentos sociais. Em Brasília assume protagonismo o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que tem se destacado nacionalmente por suas ações em São Paulo, e iniciou em 2010 a organização da coordenação estadual na capital federal. A principal estratégia de pressão do MTST/DF são as ocupações urbanas que denunciam o favorecimento por parte do Estado à especulação imobiliária. São espaços que possibilitam intensificar a mobilização para construção da resistência urbana enquanto prática coletiva, de modo a massificar a ideia de que o morar, enquanto direito social básico e universal, não pode ser reduzido à moradia, enquanto privilégio para aqueles que podem pagar.
Entre as principais ocupações urbanas realizadas em Brasília tiveram grande repercussão em 2012 a ocupação Novo Pinheirinho (Ceilândia), e em 2013 a ocupação com mesmo nome fixada em Taguatinga, que resultou no auxílio emergencial e a criação do auxílio aluguel até que as casas do programa habitacional sejam entregues.
Ocupações Novo Pinheirinho – Ceilândia e Taguatinga, respectivamente
Em 2014, além de vários atos em conjunto com o Comitê contra as violações da Copa do Mundo, realizaram também ocupações no Ministério da Fazenda do DF. Em fevereiro de 2015 o MTST/DF realizou uma ação inédita com a ocupação simultânea de seis áreas do DF iniciando uma intensa mesa de negociação com o governo recém-eleito, com indicativo de novas conquistas.
Tem-se uma organização coletiva de luta pela casa? Sim! Porém, a casa representa mais que o teto para a população pobre que continua sendo empurrada para áreas cada vez mais periféricas, em condições de precarização cada vez maior; realidade que, ao mesmo tempo, cria, a sua revelia, as condições de organização coletiva que se dá inicialmente sob a identificação da realidade vivida.
Os Movimentos Sociais Urbanos têm desempenhado um papel importante ao negar a redução do espaço urbano a uma mercadoria. Assim, de alguma forma, desvelam a possibilidade de ruptura com os preceitos econômicos capitalistas postos por meio da ação política. Para essa apropriação, a Reforma Urbana se torna central para àqueles que excluídos no processo de fragmentação sócio-espacial se transformam nos protagonistas da luta pelos direitos sociais de interesse coletivo, e contra os interesses individuais de instituições, empresas e grandes corporações. Indicam o residual que escapa à política dos planos e planejamentos que ao fim criam perspectivas dicotômicas para delimitar a lógica segregadora a que servem na prática, realidade que faz com que a disputa se intensifique e torne ainda mais explícita a opção de atuação dos MTST/DF: na intensificação da luta por meio da ocupação cidade, é tempo de resistência!
Para mais informações:
DE MELO MARTINS, Ananda. «O direito à Cidade e o Estatuto da Cidade: a Produção Política da Sociedade e as Resistências Urbanas». Em: Anais do VI Congreso Iberoamericano de Estudios Territoriales y Ambientales – CIETA, (São Paulo 08-12 de setembro de 2014). Anais online. ISBN: 978-85-7506-232-6: [s.n.], 2014. P. 880-896. Disponível em http://6cieta.org/arquivos-anais/eixo3/Ananda%20de%20Melo%20Martins.pdf
i Ananda de Melo Martins é geógrafa, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília, bolsista do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior financiado pela CAPES..