Ari Rocha da Silva*
Indivíduos que vivem de materiais descartados no lixo são cada vez mais presentes em diferentes cidades do mundo. Podem ser vistos catando de diversas formas, coletando materiais em lixeiras ou jogados nas ruas, em estabelecimentos comerciais e/ou em grandes depósitos de lixo. Torna-se cada vez mais importante compreender as lógicas e ações desses trabalhadores na medida em que se constituem paisagem cotidiana em nossas cidades.
Os catadores de materiais recicláveis são parte dos fenômenos de reestruturação do trabalho em ordem mundial e de crises econômicas cíclicas do sistema capitalista. Ou seja, de processos intensos de reconfigurações das lógicas de produção e consumo em escala global e, consequentemente, de novas definições das práticas e participações da mão-de-obra empregada, seja nas indústrias ou no trabalho agrícola. Atribui-se a isso, os fenômenos de migrações e a falta de ocupações laborais a uma parcela populacional expressiva de indivíduos que sofrem as transformações do mercado de trabalho e se tornam responsáveis a ajustarem-se a novas realidades laborais.
No Brasil, dados do Relatório do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada destacam que existem 300 mil catadores exercendo esta profissão, sendo apenas 10% deles organizados em cooperativas ou associações de trabalho. Por outro lado, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) afirma que existem mais de 600 mil catadores distribuídos pelo país, o dobro do que é assinalado pelo IPEA.
Os catadores de materiais recicláveis são parte dos fenômenos de reestruturação do trabalho em ordem mundial e de crises econômicas cíclicas do sistema capitalista.
De qualquer forma, tudo indica uma crescente expansão desta categoria de trabalhadores no Brasil, seja na forma do trabalho informal, onde os catadores trabalham individualmente, sem registro formal ou carteira profissional assinada, ou compondo grupos cooperados de trabalhadores, muitos deles assistidos por uma rede de técnicos de organizações não governamentais a base de algum financiamento público ou política pontual de governo, seja ele municipal, estadual e/ou federal.
Há que se considerar, dessa forma, que estes trabalhadores exercem uma categoria emergente e particular nas formas de trabalho. São identificados por alguns governos ou população, em geral, como elementos fundamentais das políticas de revigoramento do meio ambiente e agentes de preservação ambiental; por outros, são considerados sujeitos inexpressivos e marginais que atrapalham a mobilidade urbana e tornam o visual da cidade contrastante e empobrecido. Evidentemente que tais concepções são matizadas por ideologias das formas de se organizar uma cidade e de sua funcionalidade, isto é, a quem ela se destina precipoamente.
Contudo, os catadores não são meros produtos das estruturas sociais e econômicas, são sujeitos plurais e carregados de disposições sociais amealhadas ao longo de suas trajetórias de vida. Não se limitam apenas a catação de materiais na medida em que são permeáveis a aproveitarem as oportunidades e criar outras possibilidades de atuação na sociedade a partir das relações que desenvolvem nela. Assim, não podemos definí-los apenas como sujeitos precarizados e produto de uma lógica econômica perversa, mas como atores ativos e integrados às sociedades em que vivem e trabalham.
… catadores … são sujeitos plurais e carregados de disposições sociais amealhadas ao longo de suas trajetórias de vida.
O texto abaixo, para maiores informações, destaca determinadas práticas de organização do trabalho de catadores vinculados a suas famílias, sendo essa também uma instituição usada tática e estrategicamente pelos catadores para conformar as suas ações e divisões do trabalho social. Denota-se o quanto as ações dos indivíduos é permeada por delineamentos que estão até mesmo fora da lógica, eminentemente, funcional da atividade laboral que exercem, pois suas ações também correspondem a valores e representações que configuram suas disposições sociais nos fluxos de outras experiências, seja na família, nos grupos comunitários ou nas relações mais amplas que tais atores estabelecem e que ajudam a configurar os espaços de suas práticas e a cidade como um todo.
Para maior informação:
SILVA, Ari. R. da. Família e poder nos espaços de trabalho e das trajetórias urbanas. Revista NEP (Núcleo de Estudos Paranaenses) Curitiba, v.2, n.2, pp. 447-64, maio 2016. http://revistas.ufpr.br/nep/article/view/47002
Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis http://www.mncr.org.br/
IPEA – Situação social das catadoras e dos catadores de material reciclável e reunilizável http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/situacao_social/131219_relatorio_situacaosocial_mat_reciclavel_brasil.pdf
* Ari Rocha da Silva é Sociólogo. Doutorando em Ciências Sociais pelo PPG em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, Brasil.
Ficha bibliográfica:
SILVA, A. R. Fluxos e experiências de catadores de materiais recicláveis.