Sebastião Rodrigues da Silva Junior*
O surgimento de inúmeros movimentos sociais na década de 1980, no Brasil, especialmente na Amazônia, favoreceu a formação e visibilidade de comunidades politicamente organizadas que, aos poucos, passaram a ser atores indispensáveis na gestão ambiental. Estes contribuíram para a permeabilidade das estruturas estatais, a fim de que políticas públicas inclusivas fossem implantadas no país. Dentre elas, as políticas socioambientais, as quais requerem a participação de atores de esferas diferenciadas da sociedade, numa convivência que é permeada de conflitos inerentes às suas posições e à diversidade de seus projetos. A origem das reservas extrativistas brasileiras é fruto desse processo. Refletir sobre os desafios da implementação destas reservas é o objetivo deste artigo.
A Reserva Extrativista (RESEX) é uma área ocupada por populações que utilizam produtos extraídos para sua subsistência e também comercialização. Por ser uma área de conservação e de produção, a exploração dos recursos naturais deve basear-se num plano de manejo, que deve ser construído com a participação de todos os atores envolvidos.
A construção social de uma RESEX é um processo evidentemente complexo, que sugere regular os usos e o manejo – por exemplo, o que pescar ou coletar, como, quando, em que medida, para quem… – e, além disso, novas formas de articulações entre seus agentes locais e externos, configurando assim, um espaço de co-gestão.
Os principais protagonistas desse processo de co-gestão são as populações tradicionais e o Estado, este, principalmente através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O princípio é o da participação, que requer o reconhecimento mútuo de saberes e de competências. Os moradores e usuários tradicionais são aqueles que devem dar os maiores passos para assumir os novos papéis e serem reconhecidos interna e externamente. Cumpre-lhes, ao mesmo tempo, adaptar suas formas de se organizar coletivamente e entender os processos formais burocráticos do estado brasileiro.
Em estudo sobre as percepções locais de moradores e usuários da Reserva Extrativista Marinha de Caeté-Taperaçu, Bragança, PA, se identificou que prevalece entre estes a visão positiva em relação à existência e consolidação da RESEX. Mas, o reconhecimento dela em seus arranjos institucionais específicos, ainda parece insuficiente. Notou-se que a preocupação ambiental, não está separada das questões mais urgentes da segurança dos meios de trabalho e da qualidade de vida dos moradores e usuários.
Esta realidade evidencia dois aspectos: 1) a criação de reservas extrativistas indica o reconhecimento por parte do Estado, apesar de suas contradições, da importância destas populações tradicionais envolvidas em políticas de conservação da biodiversidade e de suas práticas e valores; 2) uma população que gosta do lugar, que o valoriza, que não pretende se mudar. E que aspira segurança para melhorar a vida; espera muito do Estado, mas critica também suas próprias atitudes na relação com o meio e está disposta a adotar novas posturas quanto a isso.
Não obstante as dificuldades de parcerias necessárias entre os envolvidos, a instituição RESEX tornou-se uma conquista de direitos agrários e sociais para essas populações. Longe, portanto, de uma concessão ou da expressão de um consenso mundial face à crise ecológica, foi concretizado no direito a posse coletiva das florestas e a defesa de sua preservação, juntamente com a manutenção dos seus modos de vida. Estes grupos minoritários demonstraram, com suas lutas, a potencialidade de influenciar, inclusive, no contexto global.
Os estudos sobre gestão de recursos comuns na perspectiva de sistemas sócio ecológicos, no Brasil e no exterior, vêm enfatizando esse tipo de desafios. O que se pretende conservar não é um meio ambiente externo, objetivo, neutro, com recursos imersos, mas sistemas complexos, dos quais participam os usos humanos e seus significados.
Neste contexto, os movimentos sociais articulados com os intelectuais na Amazônia tem sido de significativa importância para a garantia dos direitos e melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais, servindo de exemplo para o resto do Brasil e do mundo.
A análise das expectativas e motivações dos atores como se procurou fazer no referido estudo, fundamentam-se nessa noção de interações múltiplas. Tais análises podem gerar dados capazes de contribuir na consolidação de Unidades de Conservação que asseguram direitos às populações tradicionais, experiências ainda inovadoras duas décadas depois da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio 92, e dos compromissos internacionais que se seguiram.
Para maiores informações:
SILVA JUNIOR, Sebastião Rodrigues da; SIQUEIRA, Deis; MANESCHY, Maria Cristina; RIBEIRO, Tânia Guimarães. Conservação dos recursos naturais, práticas participativas e institucionalização: Reserva Extrativista de Caeté-Taperaçu/Amazônia Brasileira. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 20 de mayo de 2014, vol. XVIII, nº 477. <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-477.htm>. ISSN: 1138-9788.
Sebastião Rodrigues da Silva Junior é sociólogo e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus de Bragança. Brasil.