Pedro Henrique Carnevalli Fernandes*
“Ladrões utilizam retroescavadeiras para roubar agência bancária”!1 Notícias com palavras similares a essas em pequenas cidades não são uma exceção… pelo contrário, tem sido recorrente. O ataque às agências bancárias e aos caixas eletrônicos são frequentes, mas não são as únicas que tornam a vida cotidiana em pequenas cidades marcada pela insegurança e até pelo medo. Portanto, parece que a vida pacata e tranquila nessas localidades é cada vez mais um mito. As histórias de várias décadas sem um único homicídio vão se tornando raras.
A tranquilidade em pequenas cidades pode dizer respeito a vários atributos que nelas se encontram ou se esperava encontrar: trânsito menos intenso e a possibilidade de uma vida em ritmo mais lento; espaços mais silenciosos e o sentimento de segurança devido a suposta incidência menor de criminalidade. É especialmente quanto a este último que alertamos sobre as transformações ocorridas, o que nos leva a desconstruir tal imagem de tranquilidade, pois, em grande parte dessas localidades não corresponde mais a realidade. Isto leva a uma oscilação no tratamento sobre as pequenas cidades, ora sinalizadas como ilhas de tranquilidade ora como espaços do medo. Depende de para qual cidade se olha, ou ainda mais especificamente, para que áreas dentro delas.
São restritos os dados secundários para tratar deste tema. Existem dados quanto aos homicídios, mas não para as demais ocorrências. Por isso, é preciso acompanhar as notícias, com todas as ressalvas que precisamos ter acerca das mesmas. Elas ajudam a ter uma ideia do que vem acontecendo nas pequenas localidades, como registramos por meio de algumas manchetes coletadas a partir do acompanhamento de um jornal diário em Maringá e que abrangem as pequenas localidades da região Norte do Paraná/Brasil: “Rapaz é morto a tiros dentro de carro em Sertanópolis” (16.02.2014); “Dupla presa após assalto a lotérica de Planaltina do Paraná” (20.02.2014); “BMW é flagrada em 57,595 kg de crack em Perobal” (21.02.2014); “Rapaz cai em golpe, é espancado e furtado em Boa Esperança” (24.02.2014) e “Ladrões fazem mais de 30 buracos em caixa eletrônico em São Tomé” (28.02.2014). Levantamento mais completo revelou frequentes roubos ou furtos, assaltos aos caixas eletrônicos, homicídios ou tentativas e brigas; tráfico de drogas, apreensão de contrabando, dentre outros. Conforme se vê no Quadro 1 essa tendência não se encontra apenas no Paraná.
Quadro 1 – Notícias sobre violência em pequenas cidades brasileiras.
Fonte | Ano | Manchete | Link |
Folha Campinas | 1999 | Crimes migram para cidades pequenas | http://www1.folha.uol.com.br/fsp/campinas/cm25049901.htm |
UOL News | 2007 | Cidades pequenas lideram violência no país explica sociólogo | http://noticias.uol.com.br/uolnews/brasil/2007/02/27/ult2492u400.jhtm |
Consciência crítica | 2008 | Aumento da violência em cidades pequenas | http://conscienciacritica.wordpress.com/2008/01/30/aumento-da-violencia-em-cidades-pequenas/ |
JusBrasil | 2008 | Parlamentares chamam a atenção para a violência em pequenas cidades | http://al-pa.jusbrasil.com.br/noticias/973752/parlamentares-chamam-atencao-para-a-violencia-em-pequenas-cidades |
Jampa News | 2011 | Criminalidade: violência cresce em cidades pequenas | http://www.jampanews.com/2010/ler_noticia.php?id=23527 |
Blog do Bordoni | 2013 | Violência: das cidades pequenas e médias, 15 de Goiás são barra pesada | http://luizcarlosbordoni.blogspot.com.br/2013/07/violencia-das-cidades-pequenas-e-medias.html |
Portal Globo | 2014 | Violência vira grande preocupação de moradores de pequenas cidades | http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/02/violencia-vira-grande-preocupacao-de-moradores-de-pequenas-cidades.html |
Fontes diversas.
Em convergência com o que estamos sinalizando, Julio Jacobo Waiselfisz no Mapa da Violência de 2010, trabalha com os dados de homicídios em todos os municípios brasileiros e apresenta, como principal conclusão, a interiorização da violência. Entre as trinta primeiras colocadas, nove (30%) possuem menos de vinte mil habitantes, doze (40%) possuem menos de cinquenta mil habitantes e 17 (57%) até cem mil habitantes. Já entre as 500 cidades brasileiras com maiores taxas de homicídios, 328 (65,6%) possuem, no máximo, 50 mil habitantes de população urbana e podem ser consideradas pequenas cidades, sendo delas 33,5 por cento com até dez mil habitantes, 44,8 por cento com população entre 10.001 e 25 mil habitantes e 21,7 por cento com população total entre 25 mil e cinquenta mil habitantes.
Desse modo, temos esboçado possibilidades de interpretação desse fenômeno, que não são excludentes entre si, mas complementares: a) o crescimento do tráfico e consumo de drogas e produtos ilícitos trazem consigo o aumento da violência; b) a violência difunde-se por todo o território a partir das áreas metropolitanas; e, c) as peculiaridades de áreas não-metropolitanas facilitam as ações que geram insegurança, já que a presença de equipamentos públicos de segurança nessas áreas são insuficientes ou mesmo inexistente, acompanhando o processo de perda de centralidade de modo geral das pequenas cidades.
As pequenas cidades conhecidas pela tranquilidade, com suas portas e janelas abertas que indicavam a ausência do medo cotidiano vão lamentavelmente fechando-se. Junto com as portas e janelas também estão se fechando as pessoas, especialmente para a vida e espaços públicos, empobrecendo a sociabilidade.
Para maiores informações:
ENDLICH, A.M.; FERNANDES, P.H.C. Aumento da violência em pequenas cidades. Scripta Nova. P. 1-10. Barcelona, 2014.
* Pedro H. C. Fernandes é docente na Universidade Estadual do Norte do Paraná.
Ladrões assaltam bancos e levam reféns como escudos de proteção em Curiúva, Norte do Paraná, Brasil (2016).
1 Notícia referente ao assalto em Ortigueira-PR, disponível em <http://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2015/11/ladroes-utilizam-retroescavadeiras-para-roubar-agencia-bancaria-no-pr.html>