Flávio Ribeiro de Limai
No dia 11 de novembro de 2017, entrou em vigor a nova lei trabalhista no Brasil. Traçada por um governo interino, em um momento de forte recessão econômica, a reforma trabalhista altera significativamente a estrutura do mercado de trabalho brasileiro, sendo a mais danosa ofensiva à classe trabalhadora brasileira dos últimos anos.
Propagada através de um discurso neoliberal, sob o pretexto de que as relações de trabalho neste país precisavam ser “modernizadas” para que fosse possível gerar mais empregos, essa ofensiva foi imposta em regime de urgência pelo governo Temer à classe trabalhadora, demonstrando, primeiramente, total desprezo pelas questões sociais, e, em segundo, que o governo em vigor preserva os velhos modos de efetivar as políticas de cunho privatista e antinacionalista.
Propulsor de Estado mínimo aos trabalhadores, e máximo aos bancos e aos grandes empresários, Temer exterioriza através de seus pronunciamentos, quem irá se beneficiar com a reforma ao dizer que ela “vem para flexibilizar as relações trabalho”, e assim adaptar as legislações trabalhistas “às necessidades das empresas”. Essas são algumas das declarações pronunciadas por Temer para dar seguimento a um retrocesso de quase um século, momento em que não havia direito trabalhista e proteção social no Brasil.
Ainda assim, ele tenta mascara-las, ao pronunciar que “a reforma está sendo empreendida com fins de gerar empregos”. A fim de nos orientarmos sobre essa falácia de geração empregos, apoiamo-nos nas pesquisas da economista Liana Carleial. Seus argumentos são esclarecedores e indicam que a reforma trabalhista não foi concebida para criar empregos e sim para “flexibilizar as relações de trabalho”, dado que, o que gera emprego “é o desenvolvimento”.
Na mesma direção das reformas trabalhista implementadas na Espanha em 2010 e no México em 2012, a reforma brasileira, vem para alterar o código trabalhista no Brasil – são mais de 100 itens alterados na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Dentre estas alterações, podemos destacar:
- Prevalência de acordos coletivos sobre a legislação
- Regulamentação do trabalho intermitente
- Autorização de gestantes realizando trabalho em espaços insalubres
- Demissão em comum acordo
- Terceirização de atividades principais
- Ampliação do trabalho temporário e em tempo parcial
- Limitação das condenações por dano moral
- Criação da figura do “autônomo” como exclusivo
- Fim da obrigatoriedade da contribuição sindical
Entre tantas outras, que além de danosas aos trabalhadores, enfraquecem os sindicatos e colocam obstáculos na atuação da Justiça do Trabalho.
Isso introduz, potencialmente, novas modalidades de trabalho. O sociólogo Ricardo Antunes nos lembra que são modalidades marcantes deste momento, os trabalhos em espaços compartilhados, trabalhos uberizados, trabalhos em plataformas, trabalhos em tempo parcial, tele trabalho ou mesmo trabalho on-line, trabalho versátil, a “formalização” ilegal dos micro empreendedores individuais, auto emprego, empreendedorismo em massa, prestadores de serviços, troca de trabalho por alimentos ou por acomodação, entre tantos outras modalidades que já vinham sendo implementadas e foram institucionalizadas.
Se no México, um traço marcante da reforma foi o aumento da informalidade, que de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI) passou de 39,2% em 2010 para 57,2% da população ativa mexicana em 2017, no caso brasileiro não seria diferente. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam 45,2 % da força de trabalho ativa do Brasil (estimada em 90 milhões) estão inseridos nos moldes da informalidade.
A taxa de desemprego também vem acompanhando as tendências observadas em países que implementaram a reforma trabalhista anteriormente. Caso que pode ser observado nas bases estatísticas da Instituto Nacional de Estatística (INE), que demonstram a diminuição dos postos de trabalho com carteira assinada na Espanha, sendo que em 2009 apresentava 21,9%, e passou a apresentar em 2015, cerca de 26,5%. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do Brasil, aponta um aumento de 9 milhões em 2016 para aproximadamente 13,8 milhões em 2017.
É preciso salientar que as tendências não são nada positivas para os próximos anos. A professora de Direito do Trabalho, Aldacy Rachid Coutinho indica que devemos ter em conta, ao contrário do que indica Temer e seus parlamentares, que a reforma representa maior disparidade de renda, mais desigualdade social e precarização das relações de trabalho.
A reforma trabalhista brasileira, reorienta também, a questão da habitação social.
Por consequência, ao alterar os direitos trabalhistas, as reformas subvertem a dinâmica de produção e de reprodução do espaço, acirrando assim, sugere a geógrafa Arlete Moysés Rodrigues, a contradição entre o processo de produção social do espaço e o processo de apropriação.
A partir deste panorama, podemos indicar que a reforma trabalhista que desmantela o Estado social, tem o mundo do trabalho como principal alvo. Nestes termos, até mesmo para chamar a coisa por seu verdadeiro nome, estamos com aqueles que identificam a reforma com como um retrocesso, como uma contrarreforma.
Em suma, a reforma endossou a fórmula de uma face mais avassaladora do neoliberalismo no Brasil, a qual, suas consequências avassaladoras, que sequer, estão sendo mensuradas. É tempo de voltar aos questionamentos do professor Horário Capel: “O que as gerações futuras pensarão sobre nossas ações atuais?”. Afinal, somos nós quem devemos ajudar a construir o futuro. Para tanto, nos resta uma saída, que deve vir através da organização, das lutas e da resistência.
Para mais informações
CAPEL, Horário. La historia, la ciudad y el futuro. Revista Scripta Nova (Barcelona), Vol. XIII, p. 1-40, 2009.
ANTUNES, Ricardo. Precariado do Brasil, uni-vos. Disponível em: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,precariado-do-brasil-uni-vos-reforma-de-temer-diminuira-direitos-trabalhistas-diz-sociologo,10000086549. Acesso em: 10 de novembro de 2017.
LIMA, Flávio Ribeiro. Contradições do trabalho informal. In. COUTINHO, Aldacy Rachid (org.). Anais do encontro nacional da rede Renapedts. Florianópolis: Editora Empório do Direito, p. 367-377, 2016.
RODRIGUES, Arlete Moysés. Propriedade Fundiária Urbana e Controle Socioespacial. Revista Scripta Nova (Barcelona), Vol. XVIII, p. 1-16, 2014.
iGeógrafo e Discente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (Brasil).
Indicação de imagem: