Brasil é conhecido por ser um dos países mais desiguais do mundo, embora seja a 7ª maior economia do mundo, estando à frente de países europeus como França (8º) Reino Unido (9º), e outros. A disparidade figura no ranking mundial das desigualdades, em 80º posição (Banco Mundial, 2014).
A desigualdade produz pobreza absoluta e relativa, que, por sua vez, levam o indivíduo a uma complexidade de problemas, que vão desde a falta de autoestima, de sentimento de incapacidade de satisfazer seus desejos – uma pessoa fora do contexto e segregada socialmente. Com isso, gera sentimentos de vergonha. Amartya Sem (1992) compreende a pobreza como carência de capacidades e direitos, que são impedidos de exercê-la pela minoria que detém o poder, a riqueza.
Os efeitos de cada uma, desigualdade e pobreza, são visíveis e pujantes, pelo fato de acarretarem o sentimento de desvalorização humana, de não pertencimento àquela sociedade e insegurança econômica, tornando o indivíduo frágil em muitas áreas de sua vida, senão, em todas, como a sua integridade física, moral e psíquica.
Esse conjunto de fatores faz com que o indivíduo perca a capacidade de tomar algumas decisões sobre sua vida, ou seja, tende a perder sua própria autonomia. Na perspectiva de Pereira (2009 p. 74 -75), “a vergonha social pode minar o sentimento de autoestima, e quando a pessoa é menosprezada, rejeitada, se sente com menor valor social”. O autor assegura, ainda, que o Estado deverá arcar com sua responsabilidade quando se tratar de dar oportunidades à população que se encontra abaixo da linha da pobreza, pois é necessário dar o impulso inicial para que consiga saltar para adiante, criar mecanismos para que caminhe por si.
E onde estão os pobres e em que circunstâncias vivem? A olho nu há uma nítida diferença socioespacial quando se adentra uma cidade, ainda mais se esta for uma capital ou uma metrópole, onde as diferenças urbanas são mais gritantes que as rurais.
Dessa forma, observa-se que os mais desfavorecidos habitam áreas mais desprivilegiadas. Este elo quase sempre resulta em maior precariedade urbana em todos os níveis de pobreza, sendo que a estigmatização de determinadas áreas gera discriminação, podendo esse espaço degradar-se cada vez mais, alargando o processo de desigualdade social, onde o sentimento de pertencimento das pessoas se qualifica como um pertencimento a um status inferior da sociedade, com sentimentos degradantes em relação a si mesmo e a comunidade a que pertence.
Essas desigualdades aparecem em vários âmbitos, e um dos mais evidentes é a desigualdade regional, onde se distinguem com fulgência o pobre do sul e o pobre do norte. Os pobres do Nordeste do Brasil são diferentes dos pobres do Sul e Sudeste do país. Outra diferença se encontra nas zonas urbanas e rurais. Ademais, dentro de uma mesma cidade existem diferenças socioespaciais e econômicas gritantes, que se chama segregação. E ainda se vivencia a fragmentação da pobreza, quando bairros estão rodeados de favelas, estando pobreza e a riqueza convivendo em um mesmo espaço, como bem diz Milton Santos “existem duas ou diversas cidades dentro da cidade. Esse fenômeno é o resultado da oposição entre níveis de vida e entre setores de atividade econômica, isto é, entre classes sociais. (2008, p. 190)”.
São Luís é a capital do estado do Maranhão/Brasil e está localizada em uma ilha com mais três municípios, a saber: São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. Este conjunto de municípios compõe a Ilha de São Luís, com 1.327.495 habitantes, e área 1.410,015 km². Porém somente o município de São Luís detém 57% do território da ilha (834,78 km²) com seus 1.014.837 (IBGE, 2010) habitantes perfazendo 1.215.69 habitantes por km².
Para analisar e medir a pobreza socioespacial foi construído o Índice de Desigualdade Socioespacial de São Luís do Maranhão (IDSE-SL). O objetivo deste índice é medir os bairros mais segregados da capital do Maranhão. Para isso foi examinado os bairros de São Luís pelas dimensões: demográfica, infraestrutura, habitacional, educacional e econômica possibilitando uma visão minuciosa e, ao mesmo tempo ampla, carreando conhecimento dos focos de desigualdade socioespacial por bairros.
A referida investigação chegou a conclusão que o bairro Vila Nova é o mais segregado de todos os estudados, com um Índice de 0,76. A figura 1 mostra o índice de desigualdade para os 37 grandes bairros de São Luís.
Compete ao Estado assumir o compromisso de formular políticas públicas que contemplem os bairros, cuja desigualdade socioespacial ficou evidente neste estudo. Também é necessário chamar atenção para a importância de essas políticas considerarem como foco primordial a inserção de 40,11% da população (a soma de todos os bairros que estão com a cor lilás, transformado em percentual) que vivem em território precarizado, equipando-os com recursos físicos (escolas, postos de saúde, delegacias dentre outros) e humanos (professores, médicos, enfermeiros, delegados, agentes de segurança dentre outros), capazes de promover o bem-estar e oportunidade a fim de que possam usufruir de uma vida digna, fruto de uma cidadania honrosa.
Melhorar as condições de vida dessas famílias significa elevar a sua autoestima, para que elas se apoderem do sentimento de pertencimento de um espaço habitado e digno, transformando-o, assim, em um território mais humanizado.
Para maiores informações:
PETRUS, Júlia Kátia; e PEREIRA JÚNIOR, Magno Vasconcelos. A desigualdade socioespacial de São Luís (MA) demarcada pelos seus bairros. Ateliê Geográfico. Goiânia: UFG, agosto de 2015, v. 9, n. 2, p. 170-189. <https://www.revistas.ufg.br/index.php?journal=atelie&page=article&op=view&path%5B%5D=37575>
AMYRTA Sen. Los conceptos de la pobreza. Comercio Exterior, v. 42, n. 4, abril de 1992.
PEREIRA, Gustavo. Preferencias adaptativas como bloqueo de la autonomía. In Cortina, Adela y Pereira, Gustavo. Pobreza y liberdad: erradicar la pobreza desde el enfoque de Amartya Sen. Madrid: Editorial Tecnos, 2009.
SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), 3ª edição, 2008.
Júlia Kátia Borgneth Petrus é professora do Centro de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão, Brasil.
Magno Vasconcelos Pereira Júnior é doutorando em Geografia pela Universidad de Barcelona.