Roberto Moraes Pessanha*
O gigantismo naval levou ao gigantismo portuário com a massificação do transporte e a ampliação da fluidez das cargas. Assim, se tornaram fenômenos das colossais trocas comerciais e pós-reestruturação produtiva, que tornaram os portos nós dorsais desta cadeia.
Novas infraestruturas e tecnologias garantem maior fluidez de mercadorias e do capital financeiro. As linhas comerciais mundiais são controladas por grandes operadores (os armadores). As cargas parecem caminhar para uma volatilidade equivalente a dos fluxos de capitais, que só se fixam nos territórios através instalações portuárias, quando atraídos por mais produtividade e lucros.
Os novos super-navios carregam até 19 mil contêineres exigindo terminais mais profundos, só atracando em poucos portos de rotas intercontinentais. Transportes de granéis sólidos (açúcar e soja) já estão sendo experimentados em grandes sacos (tipo “big-bag”), utilizando contêineres, ganhando também, maior fluidez nesse tipo de carga. Dos neo-panamax se caminhou para o chinamax, super-navios que levaram à ampliação do Canal do Panamá e a novos projetos chineses, nas rotas Atlântico-Pacífico: o canal na Nicarágua e uma ferrovia entre portos do Brasil e Peru.
Não é simples compreender que as exportações e o comércio mundial cresçam mais que o PIB das nações. Na economia cada vez mais mundializada, os contêineres e os portos simbolizam a espinha dorsal da globalização.
Paradoxalmente, crescem os volumes e os valores das mercadorias transportadas, ao mesmo tempo em que descem os valores dos fretes e aumenta a concentração dos operadores e das grandes corporações.
Na busca por produtividade, o setor portuário tende à especialização, superando a multifuncionalidade de interesse regional. Há mais demanda de solo portuário disputado na hinterlândia com o capital imobiliário, onde novos projetos de portos caminham para áreas litorâneas desurbanizadas e de menor valor.
A exploração offshore de petróleo se amplia para mais mares do mundo. Além disso, cerca de 2/3 do petróleo produzido e comercializado mundialmente circulam por cerca de 4.000 mil petroleiros. Tudo isso, exige mais portos de apoio, que são também pontos de conflitos e disputa estratégica nesta nova geopolítica mundial.
A estratégia do capital e o uso do território ampliam a necessidade de regulação dos portos
Portos com mais movimentação de cargas, necessariamente, não indicam ampliação da dinâmica econômica da região ou nação. A maior fluidez de cargas e produtividade nos portos leva desindustrialização a outros lugares, denotando ao inverso, preocupações e não comemorações. O caso europeu parece ser exemplo, não exclusivo. Assim, a produção industrial na China, Coréia e Cingapura cresce, enquanto cai na França, Inglaterra, Itália e Espanha, tendo os portos como instrumentos e símbolo.
Assim, nasceu uma nova geração de portos: o porto-indústria (que se denomina Maritime Industrial Development Areas, ou MIDAs). Parece também estar migrando espacialmente. Os baixos custos de produção e distribuição aumentaram a centralidade da Ásia, onde hoje estão nove dos dez portos com maior movimentação de contêineres do mundo.
O novo gigantismo portuário e sua maior fluidez de cargas, também reduziram o diálogo porto-região levando à interiorização, através da instalação dos portos secos.
Os portos da contemporaneidade, assim como as fábricas, possuem poucas pessoas. A operação portuária de cargas é robotizada e quase desumanizada. Só em terminais de cruzeiros há hoje um fluxo maior de pessoas.
A decisão sobre a localização de empreendimentos opera em novas racionalidades na escolha de espaços. O jogo das corporações não se submete às linhas das fronteiras. Os operadores portuários são globais e se conectam aos mercados internacionais, articulando rotas que ligam produtores a consumidores nos cinco continentes.
Assim, vive-se tempo de aceleração da circulação do capital e de integração funcional dos espaços. O capital opera sobre os espaços em lógicas de menores conflitos, onde há reduzida presença de gente, resistências, questionamentos de impactos e pressões políticas.
Os dinheiros para toda esta operação vêm de fundos sem caras, voláteis e com enorme mobilidade entre portos e cargas. Os fundos se juntaram às grandes e globalizadas traders, forçando redução de tarifas modais, controlando fluxos, preços e lucros.
Os portos aceleram a circulação de cargas e de capital, gerando simultaneamente a integração funcional dos espaços.
As traders articulam portos e capital financeiro, e também, controlam o fluxo de mercadorias, produtos (ou commodities) minerais e agrícolas, da produção à logística de distribuição e consumo. Assim, atuam como fazedoras de preço ou “made-price”, oligopolizando alguns comércios e também facilitando a sonegação e a corrupção.
Diante de tudo isto, é ilusão pensar que governos regionais possuem forças para atuar nesta imensa cadeia. Os portos, a circulação e a fluidez das mercadorias, a produção do valor, a inovação e o trabalho humano são partes imbricadas desse complexo sistema-mundo contemporâneo.
Não ignoremos o que está em curso ao planejar políticas públicas nas várias escalas. Tornou-se imperativa a necessidade de maior participação política e regulação sobre os portos, comércio e capital financeiro.
Para maiores informações:
PESSANHA, Roberto Moraes e outros: O MIDAs numa conjuntura de crescimento econômico do Brasil e crise econômica mundial: os portos transformados em complexos industriais, em Anais do II Congresso Internacional em Sociais e Humanidades, 2013, Belo Horizonte, Brasil.
PESSANHA, Roberto Moraes e outros: A Gênese do Complexo Logístico Industrial Porto do Açu: oportunidades e desafios para o desenvolvimento da Região Norte Fluminense, em Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 10, p. 153-181, 2014.
*Roberto Moraes Pessanha, engenheiro, professor do Instituto Federal Fluminense, doutorando PPFH-UERJ e bolsista da Capes (PDSE).