O caminhão ainda domina a logística do agronegócio do Centro-Oeste brasileiro

por Daniel Monteiro Huertas

Conhecida internacionalmente como a principal zona produtora do agronegócio brasileiro, a Região Centro-Oeste (composta pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e pelo Distrito Federal), apesar dos investimentos em curso e planejados para o modal ferroviário, ainda registra na sua paisagem a onipresença do caminhão. E, mesmo distante dos principais centros consumidores e do sistema portuário, a logística, ainda comandada pelo transporte rodoviário, encontrou uma espécie de arranjo territorial para auferir vantagens em uma situação aparentemente desfavorável.

Como a área de produção estende-se por centenas de quilômetros em um emaranhado de estradas vicinais (geralmente não pavimentadas) que mais tarde encontrarão eixos-tronco, é viável tanto para o produtor quanto para o comprador que poucos pontos reúnam condições favoráveis para as decisões de cunho logístico, principalmente a concentração da oferta de serviços de transporte (empresas transportadoras e caminhoneiros autônomos) e a formação do frete com valores de referência aceitos por todos os agentes.

A configuração territorial dos nodais do agronegócio ocorre em cidades e eixos-tronco por onde quase toda a produção de uma imensa área de influência é organizada do ponto de visto logístico. É a partir destes arranjos que se dá grande parte do escoamento final da produção, ou seja, o transporte para unidades terminais. Levando-se em consideração que o transporte rodoviário cria uma topologia própria, no Centro-Oeste do Brasil situam-se três nodais “secundários monofuncionais” – Cuiabá-Rondonópolis, no Mato Grosso; Campo Grande-Dourados, no Mato Grosso do Sul e Jataí-Rio Verde-Itumbiara, em Goiás –, pois diretamente atrelados à logística do agronegócio.

O papel das tradings (as multinacionais Bunge, Cargill e Louis Dreifus e a brasileira Amaggi marcam forte presença no Centro-Oeste brasileiro) na logística do agronegócio é fundamental para se decifrar o uso do território em consonância com o transporte rodoviário de carga. Primeiramente é necessário destacar que o preço do frete é comprimido pelas tradings pela combinação de uma série de elementos que colaboram para rebaixar o valor do serviço do transporte, como a manutenção de uma ampla carteira de frotistas como uma espécie de reserva de mercado alimentada por comissões (um pagamento extra por tonelada transportada sobre o frete acertado) e a situação logística privilegiada que ocupam nos circuitos espaciais produtivos em que atuam.

Caminhões transitando pela BR-364, no trecho Rondonópolis-Alto Araguaia, Mato Grosso - Brasil
Caminhões transitando pela BR-364, no trecho Rondonópolis-Alto Araguaia, Mato Grosso – Brasil

Pode-se afirmar que as tradings possuem uma compreensão mais sistêmica de todo o circuito, criando estratégias organizacionais e territoriais que as favorecem, como a alocação ótima de unidades armazenadoras; cotação do frete por quilômetro rodado (e não por tonelagem, elemento de alto custo-benefício diante do aumento da capacidade dos caminhões); redução da sazonalidade da safra; contratos com empresas transportadoras por safra para escapar das oscilações de preço de frete; rápida capacidade de cotação de preço médio de frete num cenário composto por muitas oscilações diárias e uma infinidade de agentes e conhecimento da programação de acostagem dos navios.

Nos circuitos produtivos do agronegócio são as tradings, portanto, que reúnem as melhores condições para coordenar e controlar a interrelação entre espaços produtores de fluxos (ordens e decisões) e espaços produtores de massas (produção propriamente dita), numa lógica que tem a soja como principal expoente e pautada no imperativo das exportações e no interesse das grandes empresas e produtores.

Diante dos pesados investimentos que o governo brasileiro tem realizado no modal ferroviário, resta saber como será a reorganização estratégica das tradings em um novo cenário. O Mato Grosso, carro-chefe da expansão da fronteira agrícola e com o agronegócio praticamente consolidado em boa parte de seu imenso território, é o Estado que certamente mais será impactado pela intermodalidade, contribuindo para a tão desejada inversão da matriz de transportes do país.

As modificações em curso estão de acordo com as características e vantagens relativas a cada modal, trasferindo gradativamente o transporte de grandes massas de longo curso do caminhão para trens e barcaças. O problema é que os altos custos incidentes são suportados em grande parte pela União, para posterior licitação de concessões ao setor privado. Ou seja, pelo menos em um momento inicial, o Estado tem arcado com pesados investimentos intensivos em capital de longo prazo de maturação, em detrimento de investimentos sociais de outra natureza. Além disso, nunca é demais salientar que a opção ferroviária reforça o papel do Brasil como grande exportador mundial de commodities agropecuárias e minerais, mantendo uma posição desfavorável na divisão internacional do trabalho – situação que, acima de tudo, beneficia em primeiro lugar as grandes tradings multinacionais.

Para maiores informações

HUERTAS, Daniel Monteiro. Dinâmicas territoriais dos eixos nodais que comandam a logística rodoviária do agronegócio no Centro-Oeste brasileiro. Revista Ateliê Geográfico, Vol.8, nº2, ago./2014. Disponível em

<http://www.revistas.ufg.br/index.php/atelie/article/view/29642>

Daniel Monteiro Huertas é jornalista, geógrafo e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil.

Portos demandam regulação

Roberto Moraes Pessanha*

Roberto Moraes Pessanha*
Roberto Moraes Pessanha*

O gigantismo naval levou ao gigantismo portuário com a massificação do transporte e a ampliação da fluidez das cargas. Assim, se tornaram fenômenos das colossais trocas comerciais e pós-reestruturação produtiva, que tornaram os portos nós dorsais desta cadeia.

Novas infraestruturas e tecnologias garantem maior fluidez de mercadorias e do capital financeiro. As linhas comerciais mundiais são controladas por grandes operadores (os armadores). As cargas parecem caminhar para uma volatilidade equivalente a dos fluxos de capitais, que só se fixam nos territórios através instalações portuárias, quando atraídos por mais produtividade e lucros.

Os novos super-navios carregam até 19 mil contêineres exigindo terminais mais profundos, só atracando em poucos portos de rotas intercontinentais. Transportes de granéis sólidos (açúcar e soja) já estão sendo experimentados em grandes sacos (tipo “big-bag”), utilizando contêineres, ganhando também, maior fluidez nesse tipo de carga. Dos neo-panamax se caminhou para o chinamax, super-navios que levaram à ampliação do Canal do Panamá e a novos projetos chineses, nas rotas Atlântico-Pacífico: o canal na Nicarágua e uma ferrovia entre portos do Brasil e Peru.

Não é simples compreender que as exportações e o comércio mundial cresçam mais que o PIB das nações. Na economia cada vez mais mundializada, os contêineres e os portos simbolizam a espinha dorsal da globalização.

Porto de Roterdã, o maior da Europa, em 31-10-2014
Porto de Roterdã, o maior da Europa, em 31-10-2014

Paradoxalmente, crescem os volumes e os valores das mercadorias transportadas, ao mesmo tempo em que descem os valores dos fretes e aumenta a concentração dos operadores e das grandes corporações.

Na busca por produtividade, o setor portuário tende à especialização, superando a multifuncionalidade de interesse regional. Há mais demanda de solo portuário disputado na hinterlândia com o capital imobiliário, onde novos projetos de portos caminham para áreas litorâneas desurbanizadas e de menor valor.

A exploração offshore de petróleo se amplia para mais mares do mundo. Além disso, cerca de 2/3 do petróleo produzido e comercializado mundialmente circulam por cerca de 4.000 mil petroleiros. Tudo isso, exige mais portos de apoio, que são também pontos de conflitos e disputa estratégica nesta nova geopolítica mundial.

A estratégia do capital e o uso do território ampliam a necessidade de regulação dos portos

Portos com mais movimentação de cargas, necessariamente, não indicam ampliação da dinâmica econômica da região ou nação. A maior fluidez de cargas e produtividade nos portos leva desindustrialização a outros lugares, denotando ao inverso, preocupações e não comemorações. O caso europeu parece ser exemplo, não exclusivo. Assim, a produção industrial na China, Coréia e Cingapura cresce, enquanto cai na França, Inglaterra, Itália e Espanha, tendo os portos como instrumentos e símbolo.

Assim, nasceu uma nova geração de portos: o porto-indústria (que se denomina Maritime Industrial Development Areas, ou MIDAs). Parece também estar migrando espacialmente. Os baixos custos de produção e distribuição aumentaram a centralidade da Ásia, onde hoje estão nove dos dez portos com maior movimentação de contêineres do mundo.

O novo gigantismo portuário e sua maior fluidez de cargas, também reduziram o diálogo porto-região levando à interiorização, através da instalação dos portos secos.

Os portos da contemporaneidade, assim como as fábricas, possuem poucas pessoas. A operação portuária de cargas é robotizada e quase desumanizada. Só em terminais de cruzeiros há hoje um fluxo maior de pessoas.

A decisão sobre a localização de empreendimentos opera em novas racionalidades na escolha de espaços. O jogo das corporações não se submete às linhas das fronteiras. Os operadores portuários são globais e se conectam aos mercados internacionais, articulando rotas que ligam produtores a consumidores nos cinco continentes.

Assim, vive-se tempo de aceleração da circulação do capital e de integração funcional dos espaços. O capital opera sobre os espaços em lógicas de menores conflitos, onde há reduzida presença de gente, resistências, questionamentos de impactos e pressões políticas.

Os dinheiros para toda esta operação vêm de fundos sem caras, voláteis e com enorme mobilidade entre portos e cargas. Os fundos se juntaram às grandes e globalizadas traders, forçando redução de tarifas modais, controlando fluxos, preços e lucros.

Os portos aceleram a circulação de cargas e de capital, gerando simultaneamente a integração funcional dos espaços.

As traders articulam portos e capital financeiro, e também, controlam o fluxo de mercadorias, produtos (ou commodities) minerais e agrícolas, da produção à logística de distribuição e consumo. Assim, atuam como fazedoras de preço ou “made-price”, oligopolizando alguns comércios e também facilitando a sonegação e a corrupção.

Diante de tudo isto, é ilusão pensar que governos regionais possuem forças para atuar nesta imensa cadeia. Os portos, a circulação e a fluidez das mercadorias, a produção do valor, a inovação e o trabalho humano são partes imbricadas desse complexo sistema-mundo contemporâneo.

Não ignoremos o que está em curso ao planejar políticas públicas nas várias escalas. Tornou-se imperativa a necessidade de maior participação política e regulação sobre os portos, comércio e capital financeiro.

Para maiores informações:

PESSANHA, Roberto Moraes e outros: O MIDAs numa conjuntura de crescimento econômico do Brasil e crise econômica mundial: os portos transformados em complexos industriais, em Anais do II Congresso Internacional em Sociais e Humanidades, 2013, Belo Horizonte, Brasil.

PESSANHA, Roberto Moraes e outros: A Gênese do Complexo Logístico Industrial Porto do Açu: oportunidades e desafios para o desenvolvimento da Região Norte Fluminense, em Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 10, p. 153-181, 2014.

*Roberto Moraes Pessanha, engenheiro, professor do Instituto Federal Fluminense, doutorando PPFH-UERJ e bolsista da Capes (PDSE).