Sonia Fleury
As eleições que reconduziram a presidente Dilma Rousseff do PT- Partido dos Trabalhadores à Presidência da República na disputa com o Senador Aécio Neves do PSDB – Partido Social Democrata Brasileiro, aparentemente não trouxeram novidade, já que a disputa entre os dois maiores partidos que surgiram com a democratização tem se repetido nesses últimos vinte anos, alternando governos do PSDB (Fernando Henrique) com os do PT (Lula e Dilma).
No entanto, algo de novo ocorreu nessa campanha cheia de imprevistos, depois da morte de um candidato em desastre aéreo e sua substituição pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que se apresentou como uma terceira via nessa polarização. Mas, foi derrotada no primeiro turno levando à disputa tradicional entre dois projetos que tem se apresentado para o país, terminando por reconduzir o PT à Presidência, depois de dois mandatos do Presidente Lula e um da própria presidente Dilma.
A vitória de Dilma se deu por pouco mais de três milhões de votos, mostrando o acirramento da disputa e a divisão do país em termos de classe e regiões, sendo os mais pobres em todo o país de as regiões mais pobres do país aqueles que maciçamente votaram pela reeleição do PT. Além disso, o tom violento da campanha nas redes sociais mostrou uma realidade que os brasileiros procuram desconhecer: um país dividido com eleitores cheios de preconceitos, o repúdio à perda de status das classes médias tradicionais e a rearticulação das elites empresariais e financeiras em torno de um projeto subordinado à lógica neoliberal e alinhado as grandes potências.
Pela primeira vez, desde o término da ditadura, a direita procurou se colocar no cenário político, mobilizando rancorosos eleitores, embora sem uma candidatura presidencial própria. Apesar do senador Aécio Neves já ter declarado que não assumirá o lugar da direita, buscando calibrar seu partido como uma oposição democrática ao governo eleito, seus apoiadores clamaram imediatamente pelo impeachment da presidente eleita, em um momento em que denúncias de corrupção na Petrobrás ocupam os noticiários.
O acirramento das contradições mostra que o país está sofrendo uma lenta, porém importante re-estratificação territorial e social, com a perda de dinamismo econômico da maior região industrializada do país, o Estado de São Paulo, e com a emergência de polos dinâmicos de desenvolvimento em outras regiões do país. Além disso, mesmo em tempos de crise econômica, o governo assegurou a manutenção do emprego e do valor do salário mínimo que, juntos com as transferências monetárias, provocaram o aumento do consumo da população mais pobre.
Essas dinâmicas impulsionadas pelos governos do PT foram ainda associadas à forte intervenção econômica do banco de investimentos, BNDES, no financiamento público das empresas, e dos bancos comerciais – Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – nos financiamentos do crédito habitacional e popular. A criação do banco dos BRICS consolidaia essa disposição de uso de fundos públicos para alcançar maior autonomia em relação ao capital financeiro nacional e internacional. O modelo de partilha da exploração do petróleo e outras medidas que asseguram a defesa da soberania na exploração de riquezas minerais tem sido vistas como sinais de um nacional desenvolvimentismo retrógrado pelos críticos do governo e por grupos de interesse fora do país.
Finalmente, a ideia de fortalecer a participação popular através de um decreto que criava a Política Nacional de Participação Popular enviada pela presidente ao Congresso, foi vista pelos setores conservadores do Legislativo e da mídia como uma ameaça ao poder dos parlamentares, sendo derrubada imediatamente depois das eleições.
A participação eleitoral sempre foi vista como essencial à democracia, mas o que vimos foi uma polarização violenta e nada democrática, saudosa dos tempos da ditadura militar. Por outro lado, a participação popular foi o mecanismo mais inovador entronizado pela Constituição Federal de 1988 e desenvolvida desde então em um conjunto de instituições e processos que asseguram o controle social e a gestão compartilhada entre governo e sociedade civil. No entanto, esses mecanismos seguem restritos às áreas sociais, ambientais e culturais, além de aplicarem-se também ao planejamento urbano.
A suposição que embasa a democracia participativa é de que ela é necessária à inclusão social, além de propiciar o reconhecimento e diálogo entre os diferentes, igualados em instâncias políticas com regras de convivência definidas.
O que se pergunta nesse momento é que tão democrática é a participação dos eleitores em ataques aos adversários em redes sociais virtuais, sem que um espaço público de diálogo e respeito mútuo seja estabelecido.
Por outro lado, também se deve perguntar qual o(s) significado(s) da participação popular, que pode variar desde mecanismo de construção de consensos e coesão social até a mera legitimação do controle e da coerção estatal na gestão da população nos territórios marginais e periféricos das cidades.
Sobre esse assunto ver o artigo Metonímias da participação pacificada em Scripta Nova, numero 20 de Janeiro de 2015.